Para equipe econômica, transação tributária supera ideia de Refis

Publicado em: 10 jul 2020

Campo Grande (MS) – O mecanismo de “transação tributária”, criado na lei do contribuinte legal, elimina a necessidade de um novo Refis, na avaliação do Ministério da Economia. Essa leitura ficou mais forte na pasta diante da recente portaria que abriu modalidade excepcional de renegociação de dívidas tributárias direcionada para quem teve problemas na pandemia da covid-19. Ontem, também foi publicada portaria abrindo rodada de negociações de débitos não tributários, como multas e taxas de autarquias. A área econômica pretende reforçar a divulgação desse instrumento.

A ideia de um novo Refis vem ganhando força no Congresso, inclusive com manifestações do próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O procurador da Fazenda Nacional, Cristiano Neuenshwander de Morais, disse ao Valor que um novo Refis só beneficiaria grandes empresas que hoje têm condições de pagar seus tributos, ou seja, seria uma renúncia fiscal para quem não precisa.

“A transação é um mecanismo de resolução de disputa tributária que se aplica em casos no qual o contribuinte de fato não tem condição de pagar uma dívida ou em que há uma dúvida razoável, discussão relevante, sobre a legalidade ou constitucionalidade de uma norma”, disse.

Ele comenta que o dispositivo recém-criado é inspirado nos países da OCDE, e viabiliza solução para quem não tem condições de pagar suas dívidas com o Fisco – no caso, aquelas inscritas na dívida ativa, o que ocorre depois de 90 dias de inadimplência.

Existe a modalidade de “pedido individual”, que vale para todos e está permanentemente aberta para quem quiser aderir, em que a negociação é caso a caso. E tem a “adesão excepcional”, como a que se iniciou neste mês, voltada para contribuintes que sofreram impactos econômicos da pandemia, com dívidas consideradas pela administração tributária como de difícil recuperação e de até R$ 150 milhões. Nos dois casos, há desconto de juros e multas, limitado a 70% do valor da dívida.

A lei da transação tributária ainda contempla possibilidades específicas para as empresas de menor porte, com dívidas de até 60 salários mínimos, e para discussões de teses tributárias, em ambos é possível realizar antes de os débitos irem para a dívida ativa. Embora já estejam regulamentadas pelo Ministério da Economia, ainda não houve editais de abertura de renegociação para essas modalidades.

No caso das empresas menores, o procurador explicou que está se aguardando a aprovação, pelo Senado, do projeto de lei complementar (PLP) 9, que inclui a possibilidade de renegociação das dívidas do Simples. Esse projeto já passou pela Câmara. E na questão da discussão de teses, deve demorar um pouco mais (ainda para este ano), porque é tecnicamente mais complexo definir em que tipo de controvérsia será permitida a transação – que obriga que o contribuinte desista da disputa.

“Com essa lei vigente e toda regulamentada, tenho contribuinte com disputa relevante, posso fazer acordo; está quebrado, posso fazer acordo; e tem pequeno débito, posso fazer acordo. Quem sobrou? O grande contribuinte com alta capacidade de pagamento e que não precisa de nenhum benefício”, afirmou o procurador. “A gente busca atender o contribuinte que de fato tinha um problema. Ficou de fora quem tecnicamente não se justifica ter uma concessão, uma empresa com alta capacidade de pagamento, que eventualmente até aumentou a receita na pandemia”, acrescentou.

Morais cita estudos que mostram que os sucessivos Refis são prejudiciais à administração tributária e que acabaram beneficiando empresas que poderiam pagar suas dívidas. Ele ressaltou a autonomia do Parlamento para decidir fazer ou não um Refis. “Não estamos antagonizando com o Congresso. Nosso papel é esclarecer as consequências. Refis é um modelo ruim com resultados negativos e o próprio Congresso colocou na rua um novo modelo e a gente precisa deixar claro o alcance dele. O pano de fundo do Refis era um clamor por conta de situações de quem de fato precisava e não tinha alternativa. Agora tem possibilidades”, disse.

Para a coordenadora da área tributária do escritório Portela, Lima, Lobato & Colen, Maria Carolina Gontijo, o mecanismo da transação tributária é bem-vindo, apesar da frustração com a primeira rodada de negociações que vigorou entre março e junho, porque não havia desconto. Segundo ela, com o novo edital, que começou a valer neste mês para as empresas atingidas pela pandemia, a situação ficou mais favorável.

Carolina avalia que o Refis é algo negativo por não distinguir quem não consegue pagar o tributo por uma circunstância de quem deixa de fazê-lo por planejamento. Na sua visão, a discussão sobre Refis prejudica o mecanismo da transação porque os contribuintes preferem esperar uma decisão do Congresso, em vez de assumir um compromisso na renegociação agora.

O procurador contrapõe explicando que as transações feitas agora poderão incorporar novas dívidas inscritas nos próximos meses. Até agora, considerando o primeiro edital de março e o novo, foram feitos 32 mil acordos, com R$ 235,8 milhões arrecadados e R$ 9,6 bilhões em dívidas renegociadas.

Para a especialista tributária Priscila Faricelli, sócia do escritório Demarest, a transação tributária é uma evolução importante para o sistema brasileiro e tem uma diferença importante para o Refis, já que leva em conta o perfil do contribuinte, se ele tem saúde financeira para pagar. “Ele estimula as empresas saudáveis a continuar pagando e socorre quem está precisando”, explicou, apontando que o Refis beneficia o mau pagador. Apesar disso, a advogada considera que um programa não anula o outro. “Se vier um Refis com descontos expressivos, muitas empresas migram de um para o outro”. (Reprodução/Valor)

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