Nova lógica fiscal exige eficiência, tecnologia e estratégia para que o varejo sobreviva e cresça em um cenário de margens apertadas e alta concorrência Por Seung Beom Kim
A reforma tributária brasileira é mais do que uma reorganização de siglas fiscais. Ela inaugura uma nova lógica de funcionamento para o consumo, em que o improviso contábil e a inércia operacional não terão mais lugar. O que está em curso é um divisor de águas: varejistas que compreenderem a magnitude do impacto sairão fortalecidos. Aqueles que subestimarem a transformação perderão competitividade.
A substituição de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por dois novos tributos — o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — promete simplificação e transparência. Mas, na prática, exige uma reconstrução estrutural dos modelos financeiros e operacionais do setor varejista. E isso começa com uma mudança fundamental: o dinheiro que entra não será mais seu, até que o fisco permita.
O split payment (“pagamento dividido”, em tradução livre), mecanismo que separa automaticamente o valor dos tributos no ato da transação e repassado diretamente ao fisco, está previsto como uma peça central da nova lógica de arrecadação. O objetivo é claro: eliminar inadimplência e sonegação, aumentar a eficiência arrecadatória e reduzir a complexidade do sistema atual. Mas o impacto para o varejo é brutal. O fluxo de caixa será afetado imediatamente: o valor líquido disponível ao lojista encolhe já no momento da venda. A autonomia sobre os próprios recebíveis desaparece. Em um cenário de margens apertadas, isso significa repensar, urgentemente, políticas de capital de giro, prazos de pagamento e liquidez. Eficiência, nesse contexto, não é um diferencial, mas um pré-requisito para continuar no jogo.
A transição para o novo modelo será longa, gradual e instável. As alíquotas serão escalonadas ao longo de anos, gerando uma sobreposição de regimes que exigirá simulações constantes, ajustes finos de precificação e renegociação com fornecedores. O fim dos incentivos fiscais estaduais também compromete estratégias históricas de expansão geográfica. A decisão de onde abrir uma loja deixa de passar pelo mapa fiscal e passa a exigir uma leitura mais holística de logística, acesso a talentos e sinergias de operação.
Por que a estratégia fiscal é necessária?
Há ainda uma armadilha pouco comentada: a cumulatividade temporária do novo sistema. Durante a transição, parte dos créditos será retida e devolvida em fases, o que exigirá um novo planejamento tributário para evitar perdas financeiras e antecipar oportunidades de otimização. Varejistas que não tiverem uma estratégia fiscal proativa vão operar no escuro e em um ambiente de alta concorrência, é quase uma sentença de estagnação.
Outro ponto crítico é a infraestrutura necessária para operar neste novo ambiente. A reforma exige mais do que conformidade: exige inteligência tributária integrada à gestão financeira. Isso implica não apenas investir em automação fiscal e integração com meios de pagamento, mas também garantir um controle efetivo sobre receitas e despesas, evitando deixar dinheiro na mesa na dinâmica de apuração de créditos e débitos fiscais. Em um cenário onde o aproveitamento eficiente dos créditos será decisivo para preservar margens, empresas com visão financeira fragmentada ou sistemas frágeis terão mais dificuldade em capturar os benefícios da reforma. No varejo brasileiro, ainda marcado por baixa digitalização e processos manuais, esse salto tecnológico é tão complexo quanto inevitável.
Mas nem tudo é ameaça. O novo sistema traz a promessa de maior previsibilidade fiscal e uma relação mais transparente entre os entes da cadeia de consumo. Com regras mais claras, o varejo pode estruturar melhor sua governança financeira, acelerar investimentos e planejar expansão com base em dados consistentes, não baseado em exceções fiscais temporárias.
A reforma tributária impõe um novo patamar de exigência ao setor. É, talvez, o maior teste de maturidade financeira e operacional já enfrentado pelo varejo brasileiro. As empresas que anteciparem os impactos, investirem em tecnologia, formarem times preparados e adotarem uma visão estratégica do tributo como componente central da gestão terão uma vantagem competitiva real. O resto, infelizmente, terá que correr atrás, em desvantagem.
Seung Beom Kim é CFO da F360. Sul-coreano radicado no Brasil, também atua como sócio operacional da HiPartner, venture capital especializada em tecnologia para o varejo.
Fonte: Monitor Mercantil