O STJ criou um grupo de trabalho, com a finalidade de elaborar estudos propostas acerca dos impactos do contencioso decorrentes da Reforma Tributária. Integram o grupo a Ministra Regina Helena Costa, coordenadora, pelos Ministros Luiz Alberto Gurgel de Faria e Paulo Sérgio Domingues e pelo Juiz Federal Daniel Marchionatti Barbosa
O grupo realizou diversos estudos e pesquisas e encontros com membros da magistratura federal e estadual, das Procuradorias da Fazenda Nacional, dos Estados e dos Municípios, advogados e professores universitários e emitiram um relatório prevendo aumento no contencioso tributário.
Abaixo, transcrevemos os principais pontos do relatório, que demonstram os problemas que serão enfrentados.
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) substituirão tributos federais (IPI, contribuição ao PIS, COFINS), estaduais (ICMS) e municipais (ISS). Há identidade dos aspectos relevantes das hipóteses de incidência do IBS e da CBS (art. 195, § 16, da CF). No entanto, o lançamento e a cobrança são, em princípio, independentes entre si (art. 156-B, II, § 2º, V).
Por outro lado, é preservada a competência da fiscalização tributária de cada ente (art. 323 do PLP 68/2024), logo, caso exista inadimplemento, cada fato gerador dará lugar a três lançamentos de ofício.
O contencioso administrativo do IBS é integrado (art. 156-B, III, da CF). O PLP do IBS prevê instâncias paritárias no contencioso administrativo (número de representantes Estados + número de representantes Municípios = número de 3 representantes contribuintes). Mas a integração das instâncias do contencioso não necessariamente leva à integração do julgamento de um mesmo fato gerador. Não é impossível que impugnações de autos de infração que tratam do mesmo fato gerador sejam decididas em separado, na medida em que os lançamentos são separados e as impugnações também.
Em princípio, cada titular de crédito sobre o mesmo fato gerador (Estado destino, Município destino, União) moverá sua própria execução fiscal. Assim, o mesmo fato gerador poderia levar a três execuções fiscais – sem contar a multa punitiva lançada de ofício.
Não há previsão de integração das cobranças da União com os demais entes.
Os novos tributos têm o potencial de, ao menos, triplicar o contencioso tributário sobre a tributação do consumo.
É provável que o mesmo fato gerador dê lugar a três cobranças. Do lado das ações antiexacionais, a multiplicação das ações também parece ser uma realidade que se aproxima. Cada impugnação de tributação precisará ser direcionada contra União, Estado e Município
No caso do IBS, a introdução da tributação no destino também multiplica as relações entre os fiscos e os contribuintes. A relação entre Fisco e contribuinte deixa de ser regida pelo domicílio deste. Assim, um fornecedor que faça negócios com clientes em todo o território nacional pagará tributos no Distrito Federal e em todos os Estados e Municípios.
Ou seja, além da fragmentação e da multiplicação das execuções fiscais, há também o problema da multidão de sujeitos passivos nas ações de iniciativa dos contribuintes.
As ações declaratórias de inexistência de relação tributária poderão ser propostas contra cada um dos Estados e Municípios. Cada contribuinte do IBS o será em relação a todos os entes federativos. Assim, um contribuinte que pretenda declarar que o IBS não incide, dada determinada situação de fato, deverá escolher contra quais entes lhe é interessante litigar – ou promover ações contra todos.
Além disso, se espera que o inadimplemento gere dívidas fiscais maiores. Atualmente, as decisões de propor ou não execuções fiscais são tomadas por cada fisco em separado. Agora, haverá uma cumulação de tributos sobre a mesma base imponível. Com isso, uma articulação entre as administrações tributárias fará com que os tributos federais, estaduais e municipais contra o mesmo contribuinte se somem, aumentando a chance de que a cobrança se torne economicamente interessante – e, com isso, incrementando o número de execuções fiscais.
O cenário é bastante preocupante. Se não houver um esforço sério para racionalizar a litigância judicial envolvendo o IBS e a CBS, o sistema judiciário poderá receber mais demandas do que tem capacidade de lidar.
O relatório conclui:
A integração da atividade de lançamento de tributos e da representação judicial dos Fiscos é essencial para o sucesso da nova tributação do consumo. Se cada ente credor realizar seu próprio lançamento e cobrança de forma independente, o trabalho judicial será multiplicado, colocando em risco a organização do Poder Judiciário.
A falta de integração da cobrança e da defesa dos créditos do IBS e da CBS traz sério risco de colapso à infraestrutura do Poder Judiciário. Se cada fato gerador levar a lançamentos nas três esferas, com as consequentes execuções e ações de impugnação, o Poder Judiciário não terá condições de atender de forma adequada à demanda. Impõe-se o esforço concatenado dos Fiscos, para tratar em conjunto as hipóteses imponíveis.
A tributação do setor de serviços é responsável pela maior parte das execuções fiscais atualmente propostas. Sua revisão deve ser o foco da nova estrutura de execuções fiscais.
Uma das propostas em discussão é de criação, por emenda constitucional, de ação direta de legalidade ou ilegalidade, de competência do Superior Tribunal de Justiça. Tratar-se-ia de uma ação direta, com as características correspondentes – processo objetivo, de caráter dúplice, com o potencial de produzir decisões de caráter vinculante.
Contudo a proposta apresenta riscos. Se, por um lado, a medida pode conferir rapidez à decisão, evitar a dispersão da jurisprudência, prevenir desequilíbrios competitivos e aliviar as instâncias ordinárias, por outro, eliminará o debate e a maturação da decisão nas instâncias ordinárias, o direito ao recurso (art. 5º, LV, da CF), à inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV), ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV) e poderá sobrecarregar o Superior Tribunal de Justiça.
A criação de um Tribunal Federal de composição mista – magistrados federais e estaduais – apresenta desafios administrativos e orçamentários intransponíveis.
A criação de colegiados virtuais de julgamento formados por Juízes Federais e Estaduais não tem base nas normas sobre a cooperação judiciária nacional. Sua adoção tornaria o sistema judicial mais complexo e intrincado.
O direcionamento das execuções fiscais ou das ações antiexacionais do IBS à Justiça Federal apresenta riscos de esgotamento da Justiça Federal.
O estabelecimento de alçadas para a propositura das execuções fiscais (e, eventualmente, para a contestação de ações antiexacionais) por cada ente da federação tem a vantagem de concentrar a cobrança e a discussão em um só processo, com apenas um ente representando os demais, e de diluir a litigância entre as Justiças Federal e dos Estados. Seu estabelecimento dependeria da de um marco legal a ser definido.
A exigência de prévio requerimento administrativo para as discussões quanto aos novos tributos seria uma forma de valorizar a atividade administrativa e de aliviar a jurisdição. No entanto, essa alternativa gera preocupações com o direito à inafastabilidade da jurisdição – art. 5º, XXXV, da CF.

A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
Fonte: Tributário nos Bastidores