terça-feira, outubro 14, 2025
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A reforma tributária do imposto de renda é um equívoco

A nova proposta busca inclusão social, mas viola princípios constitucionais ao criar bitributação, fragilizar a arrecadação e distorcer a função tributária.

 

O imposto de renda não foi alcançado pela malsinada reforma parcial do Sistema Tributário Nacional, implantada pela EC 132/23, centrada na fusão de tributos de competências tributárias diferentes, quebrando a forma federativa do Estado Brasileiro protegida por cláusula pétrea.

Para completar o estrago no Sistema Tributário Nacional foi aprovado pela Câmara dos Deputados o PL 1.087/25 que isenta do IRPF as pessoas que ganham até R$ 5 mil mensais e os que ganham mais de R$ 7 mil recebem uma isenção parcial. Os que ganham acima de R$ 7 mil não terão dedução no imposto devido.

A fim de compensar a perda arrecadatória, a esdrúxula proposta legislativa passa a tributar os dividendos e tributar os chamados super-ricos, isto é, os que ganham acima de R$ 50 mil mensais serão tributados com a alíquota fixa de 10%, sem prejuízo da incidência da tabela progressiva do IRPF.

A proposta aprovada seguiu para o Senado Federal, onde alguns senadores querem aumentar a faixa de isenção do IRPF para R$ 10 mil, o que significa mais mordida nos chamados super-ricos.

Apesar de inadequada essa isenção ninguém se dispõe a se expor na mídia, criticando a bandeira da inclusão social que é muito cara a todos nós, mas a verdade deve ser dita.

Examinemos essa insana medida legislativa sob o prisma estritamente jurídico-constitucional.

A tributação dos dividendos já foi afastada pelo Senado Federal em um passado não muito remoto, por implicar bitributação, ou seja, é tributado o lucro na pessoa jurídica por ocasião de sua distribuição ao sócio ou acionista, e é tributado novamente quando o sócio ou acionista percebe os dividendos. Isso contribui para a fuga do capital estrangeiro com impacto na nossa economia.

A política tributária deve eleger um dos meios alternativos: ou se tributa na fonte, ou se tributa na ponta. O que não deve é fincar um pé em cada barco.

Outrossim, o imposto de renda é caracterizado pela sua generalidade e universalidade significando que todas as rendas devem ser tributadas e todas as pessoas, físicas ou jurídicas, devem pagar esse imposto.

Embora a nossa Constituição não diga expressamente, como na Constituição Japonesa, há um princípio implícito do dever de todos de pagar impostos para receber em troca os serviços e benefícios sociais do Estado.

Os vulneráveis que mais se beneficiam do serviço público devem pagar o mínimo, R$ 5 ou R$ 10 reais que sejam, mas devem contribuir para os gastos públicos até mesmo para não se sentirem como parasitas da nação.

É um equívoco de primeira grandeza utilizar o fenômeno da tributação como instrumento de inclusão social, onde os beneficiários sequer são identificados, não sendo conhecidos, por outra banda, o montante dos benefícios auferidos.

Isso equivale, na prática, gastar de forma indiscriminada antes de arrecadar, por meio de um mecanismo que dribla os princípios da publicidade e da transparência dos gastos públicos.

Essa forma de gastar antes da arrecadação do imposto quebra a espinha dorsal do Direito Orçamentário que veda qualquer tipo de despesa pública sem a previsão orçamentária.

Pelo princípio da unidade de tesouraria toda a receita pública deve convergir para o Tesouro, dele saindo somente como pagamento de despesa previamente autorizada pela lei de meios.

Há o princípio constitucional da prévia autorização do povo, por meio do Parlamento Nacional, direcionando as despesas públicas, assim como existe o prévio consentimento popular para a realização da receita compulsória representado pelo princípio da legalidade tributária, segundo o qual somente a lei pode autorizar a criação ou o aumento de tributos.

Sabemos que isso é contrário à cultura de nossos governantes e da classe política em geral, mas é preciso reverter essa cultura que conduz ao sumiço de verbas públicas e aprofunda cada vez mais as diferenças socioeconômicas entre as diferentes camadas da população.

O Congresso Nacional é useiro e vezeiro em patrocinar despesas públicas acobertadas pelo manto da imperscrutabilidade  como as emendas parlamentares, o Comitê Gestor que é sócio permanente na partilha da arrecadação tributária, a reforma do imposto de renda que estamos analisando etc.

A execução orçamentária deve ser fiscalizada e controlada pela Corte de Contas (TCU, Tribunais de Contas dos estados e dos municípios).

A função dos impostos é exatamente a de propiciar as receitas públicas necessárias para a execução de obras e serviços públicos previstos no programa de ação governamental espelhados na lei orçamentária anual.

Por derradeiro, não há como pretender perseguir a igualdade material de todos os membros da sociedade. Desde que o mundo é mundo, essa desigualdade sempre existiu e existirá ao longo dos séculos. Se todos forem iguais, pergunta-se, quem irá varrer as ruas da cidade e desentupir os bueiros? O médico, o advogado, o juiz, o delegado de polícia?

O que cabe ao Estado fazer é assegurar a igualdade formal a todos perante a lei permitindo a ascensão social de cada um à medida de seu esforço.

Para tanto é preciso mexer com a estrutura do ensino fundamental, médio e superior para propiciar formação de qualidade, ao invés de despejar anualmente batalhões de analfabetos funcionais.

Parece que falta vontade política para reverter esse quadro, porque a pobreza serve de bandeira de inclusão social que rende popularidade a quem agita essa bandeira. Os pobres são cultivados com carinho ao longo do tempo sendo usados como currais eleitorais.

Assim nunca sairemos do eterno país do futuro!

A política de inclusão social há de ser perseguida, não pelo Ministério da Fazenda, vocacionado para a obtenção de recursos financeiros ao Estado, porém, pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. Devem ser alocadas a esse Ministério verbas suficientes na dotação concernente ao atendimento dos vulneráveis a serem executadas sob a égide dos princípios da publicidade e da transparência. Nada de despesas públicas nebulosas não passíveis de fiscalização e controle através dos três tipos de controle: o controle interno, o controle social e o controle externo, este exercido pela Casa Legislativa correspondente  com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes.

Aliás, o Ministério da Previdência e Assistência Social  já contempla os vulneráveis com o BPC – Benefício de Prestação Continuada – de forma pública e transparente. É só incluir um número maior de vulneráveis nesse programa com aumento de verbas na dotação correspondente e elevar o valor desse BPC.

É a maneira correta de promover a proteção aos vulneráveis, e não por meio de distorções na legislação do Imposto de Renda, como o atual governo está fazendo.

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IB

 

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