Projeto não estabeleceu limite de abatimento no resultado primário, apesar de iniciativas com impacto terem valor explicitado de R$ 9,5 bilhões.
Ao anunciar o Plano Brasil Soberano, o governo tentou passar uma mensagem de que o impacto fiscal do programa será limitado e contido. Mas o efeito real das medidas nas contas públicas tem algumas incertezas que só serão sanadas ao longo do tempo e merecem ser monitoradas, ainda mais que no nascedouro as intenções mais fiscalistas da área econômica já se frustraram.
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Na véspera do anúncio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o impacto primário seria baixo e não haveria desconto da meta de resultado primário, como ocorreu em outros casos. Menos de 24 horas depois, foi anunciado que o custo fiscal de R$ 9,5 bilhões, decorrentes de R$ 4,5 bilhões em aportes a fundos garantidores de crédito e de R$ 5 bilhões de renúncias do Reintegra, poderão ser abatidos, sim, da meta.
Reintegra entra após forte pressão
A explicação do secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, foi de que a decisão sobre o Reintegra foi tomada no último momento, com a definição do limite de R$ 5 bilhões para o programa — em regra similar à instituída na última versão do Perse. E também após ouvir lideranças parlamentares.
O Reintegra foi arrancado após muita pressão da indústria, em um contexto no qual o governo não tem muitas condições de ficar arrumando mais inimizades e a limitação colocada foi a saída honrosa e de contenção de danos encontrada pela Fazenda.
Sem limite global de abatimento do primário
Apesar de ter sido dito na entrevista técnica que estaria explicitado o limite de R$ 9,5 bilhões para o abatimento da meta no projeto de lei complementar, o texto do PLP assinado pelo líder no Senado, Jaques Wagner, deixa brecha para que se faça mais gastos ou renúncias fora da regra de primário. É verdade que o texto elenca as medidas, detalhando cada aporte em fundo e no Reintegra, o que evidencia a disposição inicial e a leitura de que o gasto previsto e anunciado é o que será abatido da meta. Mas ao não explicitar no texto um limite global, o governo garante o espaço para fazer mais, caso novas medidas sejam adotadas com a justificativa de combate aos efeitos das medidas tomadas pelos Estados Unidos.
Flexibilidade até 2026
A flexibilidade do texto faz sentido político, ainda mais no contexto de imprevisibilidade que Donald Trump impõe. Mas não ficou bom para a equipe econômica o discurso ter sido, ainda que parcialmente, frustrado em tão curto espaço de tempo.
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Além disso, essa margem de manobra se estende até 2026, ano eleitoral. Por mais que esteja amarrada ao Tarifaço americano e tenha um plano claro de voo, a falta desse limite explicitado deixa um nível não desprezível de incerteza no campo fiscal que não passará despercebido pelos analistas.
Há que se reconhecer o esforço dos técnicos para se tentar fazer um programa que tenha um orçamento ajustado e que não descambe para uma gastança sem controle algum. A questão é que a política, à medida que as eleições se aproximam, vai se tornando ainda mais predominante no processo decisório, e, tendo um pretexto para superar as restrições fiscais, fica ainda mais perigosa.
Crédito subsidiado também terá impacto fiscal
Outra fonte de incerteza para as contas públicas está nas medidas de crédito. Para além do reforço em fundos garantidores, cujo custo já está mapeado, o governo anunciou uma linha de R$ 30 bilhões a ser operacionalizada pelo BNDES e pelo Banco do Brasil com juros abaixo do mercado. Os técnicos do governo não informaram quais serão essas taxas, que serão definidas na próxima semana em reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN). Mas já deixaram claro que haverá subsídio. O JOTA apurou que o custo para os tomadores de crédito deve ficar próximo do que foi praticado no socorro ao Rio Grande do Sul, variando de 5% a 8% ao ano.
As taxas de juros abaixo do mercado representam o que se chama de “subsídio implícito”, que não aparece como despesa, mas eleva a dívida pública porque o governo capta no mercado a um custo maior do que repassa para as empresas.
Os técnicos disseram que não foi definido um teto para esse gasto financeiro, mas é certo que, quanto mais baixa for a taxa oferecida para as empresas, maior será o impacto na dívida pública.
É evidente que o governo precisava (e até demorou) para apresentar medidas de socorro ao setor privado atingido pelo ataque tarifário desferido por Trump. Mas não se pode deixar de olhar que tudo tem custo e os riscos fiscais que estão se colocando, especialmente porque todas as autoridades disseram que mais medidas poderão vir se for necessário.
Enrolados na bandeira: good cop e bad cop
Ao apresentar um pacote bastante amplo de medidas de contingência para essa crise, o governo reforçou seu discurso nacionalista. Até pelo nome: “Plano Brasil Soberano”. Enquanto tenta acalmar o público interno com o socorro anunciado, o governo brasileiro ainda busca caminhos para uma negociação mais efetiva com os americanos.
A postura do presidente Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, durante o evento ressaltam a estratégia de “good cop e bad cop” do governo em relação a Washington. Enquanto o vice assume uma postura técnica e com discurso exclusivamente voltado para as questões comerciais, o presidente endurece no discurso político, com falas duras contra Trump e sua atitude em relação ao Brasil nesta crise do tarifaço.
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O recado é claro: o país está disposto a conversar sobre temas comerciais, mas não admite interferências do governo americano em questões internas como a situação jurídica de Jair Bolsonaro.
Em sua fala, por exemplo, Lula voltou a repetir que Trump provavelmente estaria no banco dos réus, assim como Bolsonaro, caso liderasse no Brasil um movimento semelhante ao que ocorreu no capitólio em 6 de janeiro de 2022. O argumento, usado por Lula em entrevista à jornalista Christiane Amanpour, da CNN americana, tem gerado críticas por parte da mídia, de opositores e de empresários, como uma “provocação desnecessária” ao americano e que coloca ainda mais lenha na fogueira neste momento delicado das relações bilaterais.
Etanol na mesa
Nesta quarta-feira, ao mesmo tempo em que dobrava a aposta nas críticas a Trump, Lula também ressaltou que está disposto a negociar temas de interesse dos Estados Unidos, desde que circunscritos à esfera comercial. Usou como exemplo a questão do etanol, excluído da lista de exceções do tarifaço do governo americano. Os EUA são o maior produtor de etanol do mundo, seguido pelo Brasil. A tarifa de importação de 18% para o produto de fora do Mercosul é considerado um impeditivo para a entrada do combustível dos EUA no mercado brasileiro.
“Se quer negociar o etanol, nós negociaremos. Se quiser negociar etanol, não coloque problema nisso, porque nós estamos dispostos a negociar. Produzimos mais e melhor do que eles. Nós queremos negociar. Quem não quer negociar são eles”, afirmou.
E o drama brasileiro está exatamente aí: na falta de abertura para negociação efetiva. Não à toa, o jogo da oposição se tornou culpar Lula pela falta de diálogo entre os países, enquanto o governo joga a conta para a sabotagem praticada pelo bolsonarismo que hoje goza de acesso à Casa Branca.
Fonte:JOTA