quinta-feira, dezembro 18, 2025
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Do que a reforma administrativa precisa para combater os supersalários

O Brasil é um dos países que mais gasta com supersalários no mundo – é o primeiro colocado de um ranking que inclui dez nações da Europa e das Américas.

Pouco mais de 53 mil servidores ativos e inativos no país recebem acima do teto constitucional, hoje fixado em R$ 46.366,19 mensais, segundo estudo do Movimento Pessoas à Frente e República.org divulgado em novembro. Foram R$ 20 bilhões gastos pela União e pelos estados com supersalários entre agosto de 2024 e junho de 2025 , de acordo com a pesquisa.

Em tramitação na Câmara dos Deputados, a reforma administrativa traz  propostas para a extinção do privilégio, concentrado no Judiciário e no Ministério Público. Neste texto, o Nexo explica o que elas dizem e se elas são suficientes para sanar o problema.

 

A dimensão dos supersalários

Embora o impacto no Orçamento brasileiro seja de bilhões, quem ganha os supersalários é uma minoria no funcionalismo público.  De acordo com dados do Rais (Relação Anual de Informações Sociais), metade dos servidores públicos do Brasil, cerca de 6,2 milhões de pessoas, recebe até R$ 3.391 mensais.

A parcela que se beneficia dos supersalários é mínima: 0,06% dos servidores, e está concentrada em poucas carreiras, principalmente no Judiciário e no Ministério Público, de acordo com nota técnica do Movimento Pessoas à Frente, elaborada por Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral e autor de livros como “O país dos privilégios”. Em 2023, 93% dos magistrados no país receberam acima do teto constitucional, ano anterior ao estudo do pesquisador.

Segundo o estudo de novembro do Pessoas à Frente e República.org, entre os 53 mil servidores que receberam supersalários entre 2024 e 2025, 21 mil fazem parte da magistratura – como juízes e desembargadores estaduais, que receberam R$ 11,5 bilhões. Nos Ministérios Públicos, 10,3 mil integrantes ganharam acima do teto, somando um valor de R$ 3,2 bilhões.

Embora o problema dos supersalários seja predominante no Judiciário e no Ministério Público, a prática também ocorre em outros Poderes. Segundo a pesquisa do Pessoas à Frente, pouco mais de 12 mil servidores do Executivo Federal receberam acima do teto entre 2024 e 2025. Na Câmara, foram 1.000 pessoas neste mesmo período.

O Brasil é seguido pela Argentina no ranking das nações que mais gastam com supersalários – 27 mil funcionários públicos ganham acima do teto constitucional no país vizinho. No Chile, Colômbia, México, Itália, França, Portugal e Reino Unido, servidores com supersalários não ultrapassam 2.000 pessoas. Na Alemanha, nenhum servidor recebe acima da remuneração máxima legal.

 

Como o teto é driblado

O principal motor dos supersalários no Brasil são as chamadas verbas indenizatórias – como auxílio-moradia, auxílio-saúde, auxílio-livro, gratificações de substituição, por plantões e por diversos outros motivos.

Essas verbas foram criadas para reembolsar despesas específicas, mas passaram a funcionar como uma espécie de segunda folha salarial, conforme explicou ao Nexo o professor Rafael Rodrigues Viegas, docente e pesquisador na FGV (Fundação Getulio Vargas) e na Enap (Escola Nacional de Administração Pública).

Como esses valores são classificados como “não remuneratórios”, que é o termo usado usado para as verbas trabalhistas de natureza salarial, elas não incidem no teto constitucional e dispensam a comprovação rigorosa de gasto.  “Sem controle externo e auditoria independente, transformaram-se em instrumentos de recomposição remuneratória fora do controle legislativo”, afirmou Viegas.

Foi de 49,3% o crescimento entre 2023 e 2024 em impacto orçamentário extra teto do supersalários dos magistrados, um aumento de R$ 7 bilhões para R$ 10,5 bilhões.

De acordo com o professor, o mecanismo se disseminou pela combinação de fatores como normatizações internas de tribunais e órgãos autônomos e decisões judiciais que consolidaram benefícios provisórios, além de uma dinâmica de competição corporativa em que cada carreira busca reproduzir vantagens concedidas a outras.

Viegas denomina como “interdependência de privilégio”. “Isso gera uma espiral de benefícios que se multiplicam”, disse. Segundo o professor, isso ocorre  porque essas instituições têm autonomia administrativa ampliada e sofrem pouco ou nenhum controle externo, o que permite que elas regulem internamente a natureza das verbas e criem benefícios com pouca supervisão.

Além disso, há, de acordo com o professsor, uma forte cultura corporativa no Judiciário e no Ministério Público que ele define como “isonomia por cima”. Ou seja: qualquer vantagem reconhecida a um cria, rapidamente, a pressão para extensão às demais carreiras, o que gera inflação de auxílios e indenizações.

“A isso se soma um conflito estrutural. A própria instituição que decide sobre a natureza jurídica das verbas, se remuneratória ou indenizatória, é aquela que delas se beneficia, produzindo assimetria na aplicação do teto e sua erosão contínua”, afirmou Viegas.

 

Os supersalários na reforma 

A proposta da reforma administrativa, conjunto de mudanças para alterar regras que organizam o funcionamento da administração pública,  foi entregue em julho ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e está em trâmite desde então.

A relatoria é do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que dividiu o texto em quatro eixos centrais. A que trata dos supersalários está no eixo 4. Entre as 70 propostas apresentadas, dezenove compõem a extinção de privilégios, o que representa 27% do total do projeto.

Conforme relatório lançado no início de novembro pelo  Movimento Pessoas à Frente, de modo geral, a maioria das propostas do relator vai na direção correta para sanar o problema dos supersalários e desigualdades no setor público.  O documento é de autoria de Rafael Viegas e de outros dois especialistas do tema, o advogado e professor do IDP, João Paulo Bachur, e a advogada Maria Fernanda Ferreira Teixeira, pesquisadora na Universidade de Brasília.

Alguns pontos fortes, de acordo com os pesquisadores, são:

  • Fim de férias superiores a 30 dias por ano e de adicional superior a 1/3 da remuneração do período de férias. Hoje, juízes e promotores do Ministério Público têm direito a 60 dias
  • Progressão na carreira com efetiva gestão de desempenho, que não se paute apenas no tempo de serviço
  • Verbas indenizatórias devem ter natureza reparatória, além de serem episódicas, eventuais e transitórias e respeitarem a um teto orçamentário
  • Vedação da chamada “isonomia por cima” entre Ministério Público e magistratura
  • São pontos que precisam de melhoria no texto, de acordo com os pesquisadores:
  • Transparência remuneratória para garantir a transição para um sistema integrado de dados para remunerações, proventos e afins
  • Ausência de mecanismos de responsabilização em caso de pagamento indevido de verbas indenizatórias

Na avaliação de Rafael Viegas, o texto final da reforma precisa prever de forma clara dispositivos para unificar o conceito nacional de remuneração, limitar a criação de indenizações, submeter atos remuneratórios a controle externo e padronizar critérios entre os entes federativos.

“Sem isso, a prática de ultrapassar o teto por meio de verbas consideradas indenizatórias continuará intocada, e qualquer economia obtida será marginal”, disse.

Segundo o professor, a reforma administrativa é uma oportunidade para resgatar a autoridade do teto constitucional de salários dentro do funcionalismo público, em especial no Judiciário e Ministério Público.

“Reconstruir o teto não é apenas uma medida fiscal, mas um gesto republicano. Os ganhos serão múltiplos”, diz Viegas. “Reforça a credibilidade institucional, freia a competição corporativa que alimenta a inflação remuneratória e traz uma economia relevante no gasto com pessoal de carreiras de Estado”.

 

Fonte: Nexo Jornal

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