Nova tributação de dividendos reacende discussão sobre isenção no Simples Nacional a partir de 2026.
A Lei nº 15.270/2025, sancionada no final de novembro de 2025, alterou as regras de tributação sobre lucros e dividendos, ao instituir a chamada tributação de altas rendas. A norma prevê a retenção de 10% de Imposto de Renda na fonte sobre dividendos pagos a pessoas físicas acima de R$ 50 mil por mês, além da criação de uma tributação mínima anual para rendimentos superiores a R$ 600 mil.
A mudança reacendeu o debate sobre a aplicação dessas regras às empresas optantes pelo Simples Nacional, diante da ausência de menção expressa ao regime simplificado no novo texto legal.
Isenção histórica dos dividendos no Brasil
Desde 1996, a isenção do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas foi adotada como regra geral no sistema tributário brasileiro. A justificativa era compensar a elevada carga tributária incidente sobre os resultados das empresas, evitando a dupla tributação econômica.
Nesse modelo, o empresário recolhia os tributos na pessoa jurídica e ficava desonerado no momento da distribuição dos lucros para a pessoa física.
Mudança introduzida pela Lei nº 15.270/2025
Esse cenário foi alterado com a edição da Lei nº 15.270/2025, que buscou compensar a perda de arrecadação decorrente do aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para rendas mensais de até R$ 5 mil.
Para isso, a lei instituiu a tributação de altas rendas, estabelecendo:
- Retenção na fonte de 10% de Imposto de Renda sempre que os lucros e dividendos pagos por uma mesma pessoa jurídica a uma pessoa física, em um mesmo mês, ultrapassarem R$ 50 mil;
- Tributação mínima no ajuste anual, aplicável quando o total de rendimentos recebidos pela pessoa física no ano superar R$ 600 mil.
As novas regras passam a valer a partir de 1º de janeiro de 2026.
Com a publicação da nova lei, surgiu uma discussão relevante no meio jurídico e contábil: as novas regras de tributação de dividendos se aplicam às empresas optantes pelo Simples Nacional?
A dúvida decorre da ausência de regulamentação específica para o regime simplificado na Lei nº 15.270/2025, o que gerou insegurança jurídica, considerando que o Simples Nacional é o regime adotado pela maioria das empresas brasileiras.
O que diz a legislação do Simples Nacional
A Lei Complementar nº 123/2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, contém regras próprias sobre a tributação da distribuição de lucros no Simples Nacional.
De acordo com o art. 14 da LC nº 123/2006, são isentos do Imposto de Renda, tanto na fonte quanto na declaração de ajuste anual do beneficiário, os lucros efetivamente distribuídos aos sócios ou titulares de empresas optantes pelo Simples Nacional, exceto quando os valores corresponderem a:
- Pró-labore;
- Aluguéis;
- Serviços prestados.
Fora essas hipóteses, os lucros distribuídos permanecem isentos, independentemente do valor.
Limite presumido e escrituração contábil
A legislação do Simples Nacional prevê que, quando a empresa não mantém escrituração contábil regular, a isenção dos lucros distribuídos fica limitada aos percentuais previstos no art. 15 da Lei nº 9.249/1995, aplicados sobre a receita bruta, deduzido o valor já recolhido no Simples a título de IRPJ.
Entretanto, o §2º do art. 14 da LC nº 123/2006 estabelece que esse limite não se aplica quando a pessoa jurídica mantém escrituração contábil regular e evidencia lucro em valor superior ao limite presumido.
Entendimento recente da Receita Federal
Esse entendimento foi confirmado pela Receita Federal na Solução de Consulta COSIT nº 244/2025, publicada em novembro de 2025.
No documento, o Fisco esclareceu que micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional podem distribuir lucros isentos desde que mantenham escrituração contábil regular, sem aplicação de qualquer teto, desde que o lucro esteja devidamente comprovado.
A solução de consulta não analisou especificamente a aplicação da Lei nº 15.270/2025 ao Simples Nacional, mas reafirmou a existência de regramento próprio para a distribuição de lucros no regime simplificado.
Lei nº 15.270/2025 e o alcance das novas regras
A Lei nº 15.270/2025 introduziu os artigos 6º-A e 16-A à Lei nº 9.250/1995 e alterou o art. 10 da Lei nº 9.249/1995, que trata da isenção de dividendos.
O novo texto do art. 10 da Lei nº 9.249/1995 passou a mencionar expressamente a aplicação das regras às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado.
Não há, no texto legal, qualquer menção às empresas optantes pelo Simples Nacional.
Conflito entre lei geral e lei especial
Diante desse cenário, surge a discussão sobre um possível conflito entre:
- A Lei nº 15.270/2025, de caráter geral e ordinário; e
- A Lei Complementar nº 123/2006, de caráter especial, que regula o Simples Nacional.
Pelo princípio jurídico consagrado no art. 2º, §2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), lei geral posterior não revoga lei especial anterior, salvo manifestação expressa do legislador.
Como a Lei nº 15.270/2025 não revogou nem alterou expressamente o art. 14 da LC nº 123/2006, prevalece a interpretação de que as regras do Simples permanecem válidas.
Reserva constitucional de lei complementar
Outro fundamento relevante está na própria Constituição Federal, que prevê, no art. 146, III, “d”, que o tratamento favorecido às micro e pequenas empresas deve ser disciplinado por lei complementar.
A LC nº 123/2006 foi editada para cumprir esse comando constitucional. Assim, uma lei ordinária não poderia restringir validamente uma isenção prevista em lei complementar sobre matéria reservada.
O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência consolidada no sentido de que normas de lei complementar, em matérias de competência reservada, não podem ser afastadas por lei ordinária.
Riscos de autuação e insegurança jurídica
Apesar dos fundamentos jurídicos apontarem para a não aplicação da Lei nº 15.270/2025 ao Simples Nacional, o tema ainda inspira cautela.
Existe o risco de interpretações mais restritivas por parte da administração tributária, o que pode resultar em autuações fiscais e aumento do contencioso judicial a partir de 2026.
Há possibilidade de questionamentos sobre a incidência do imposto na esfera da pessoa física, ainda que a obrigação de retenção recaia sobre a pessoa jurídica.
Possibilidade de judicialização
A ausência de previsão expressa quanto ao Simples Nacional no texto da Lei nº 15.270/2025 tem levado a questionamentos sobre a interpretação das normas aplicáveis. O tema pode ser objeto de análises administrativas ou judiciais a partir da entrada em vigor das novas regras.
A Lei nº 15.270/2025 instituiu novas regras de tributação sobre lucros e dividendos pagos a pessoas físicas, com vigência a partir de 2026. A legislação do Simples Nacional, prevista na Lei Complementar nº 123/2006, permanece em vigor e contém regras específicas sobre a isenção da distribuição de lucros. Até o momento, não há norma que trate expressamente da aplicação das novas regras de tributação de dividendos às empresas optantes pelo Simples Nacional.
Fonte: Contábeis

