quarta-feira, outubro 29, 2025
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IOF: do instrumento extrafiscal à ferramenta de ajuste fiscal

Aumentos de Imposto sobre Operações Financeiras e perda de vigência da MP 1.303

Nos últimos dias, o governo federal reacendeu o debate tributário nacional ao dar continuidade a uma série de medidas que têm provocado intensa discussão e apreensão no meio jurídico e econômico.

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Em maio desse ano, por meio do Decreto 12.466/2025, o governo promoveu a elevação de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em diversas modalidades — como operações de risco sacado, aplicações em VGBL, remessas cambiais ao exterior, entre outras. À época, o próprio Governo reconheceu o caráter predominantemente arrecadatório da iniciativa, justificando-a pela necessidade de compensar despesas públicas projetadas para o exercício seguinte.

A reação da sociedade civil e do Congresso Nacional foi imediata e contundente, culminando em um recuo parcial dos aumentos, acompanhado da edição da Medida Provisória nº 1.303/2025. O novo texto, contudo, não alterou a orientação fiscal da política econômica: buscou apenas compensar a perda de arrecadação decorrente do recuo do IOF por meio de outros mecanismos — como a tributação de investimentos até então isentos (LCA, LCI, CRI e CRA), o aumento do imposto de renda sobre juros sobre capital próprio e a majoração tributária para bets e fintechs. Em suma, a política permaneceu a mesma; apenas mudaram-se as alavancas.

No dia 15 de outubro, a Medida Provisória perdeu eficácia por não ter sido apreciada pela Câmara dos Deputados dentro do prazo constitucional. Diante disso, o Governo já se mobiliza para repor a arrecadação frustrada, sendo o novo aumento do IOF novamente aventado como alternativa.

Cumpre recordar, contudo, que o IOF não é — nem deveria ser — um instrumento de mera arrecadação. Previsto no artigo 153, inciso V, da Constituição Federal, trata-se de um tributo de natureza predominantemente extrafiscal, concebido para atuar como instrumento de política monetária, creditícia e cambial. Sua flexibilidade normativa, que autoriza o Poder Executivo a alterar alíquotas por decreto, encontra justificativa precisamente em sua função regulatória — e não fiscal. Ou seja, só se justifica para modular o comportamento econômico, e não para equilibrar o caixa do Tesouro.

As iniciativas recentes, porém, demonstram um uso desvirtuado dessa prerrogativa. O que deveria servir à regulação econômica vem sendo convertido em atalho arrecadatório, comprometendo a coerência do sistema e agravando a insegurança jurídica. A ampliação das bases de incidência, a supressão de isenções e o aumento temporário de alíquotas evidenciam um padrão de comportamento governamental: a busca por receita imediata, ainda que em detrimento da racionalidade tributária.

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O Decreto 12.466/2025[1] ilustra bem esse desvio. Ao eliminar isenções incidentes sobre aportes em planos VGBL e impor alíquotas adicionais sobre investimentos de maior porte, interferiu diretamente em decisões de poupança e investimento de longo prazo, contrariando a própria lógica regulatória que fundamenta o IOF.

O cenário se agrava com a decisão do ministro Alexandre de Moraes[2], que validou os decretos de majoração do imposto. Embora a decisão encontre respaldo formal no artigo 153, §1º, da Constituição Federal, que autoriza o Executivo a modificar alíquotas do IOF por decreto, ela desconsidera o limite material implícito da extrafiscalidade. O IOF pode — e deve — ser ajustado para fins de política econômica, mas não pode ser convertido em tributo fiscal disfarçado. Ao privilegiar o aspecto formal da competência, o Supremo Tribunal Federal acabou por legitimar um uso arrecadatório e político do imposto, abrindo espaço para manipulações fiscais de curto prazo sem controle parlamentar efetivo.

Essa convalidação judicial gera um precedente preocupante. Se o Executivo pode manejar o IOF de forma discricionária, com a anuência do Judiciário, o tributo deixa de ser um instrumento técnico e passa a ser uma variável política, sujeita à conveniência governamental. O resultado é a erosão da previsibilidade, o aumento da volatilidade normativa e o enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, pilares essenciais à estabilidade econômica.

As mudanças recentes, somadas à chancela do Supremo, revelam a persistência de uma lógica de soluções arrecadatórias imediatistas, em detrimento do enfrentamento do verdadeiro problema estrutural: o desequilíbrio fiscal decorrente do gasto público. O IOF, concebido como termômetro da política econômica, vem sendo utilizado como válvula de escape fiscal.

Ao conferir ao Governo uma “carta branca” tributária, a decisão na ADI não apenas afeta o presente, mas projeta riscos aos governos futuros, que poderão alterar a carga tributária de um dia para o outro, sem prévia deliberação parlamentar. O resultado é um ambiente de incerteza incompatível com o investimento produtivo e a previsibilidade que o Estado de Direito exige.

Enquanto persistir essa inversão de finalidade, o sistema tributário brasileiro continuará afastando-se da coerência e da transparência. A extrafiscalidade, concebida como instrumento técnico de regulação, segue sendo utilizada como pretexto arrecadatório.

O verdadeiro equilíbrio fiscal não se conquista por decreto — nem por decisões judiciais complacentes —, mas por responsabilidade, transparência e respeito às finalidades constitucionais dos tributos.

Fonte: JOTA

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