Para Daniel Conceição, atuação do setor na reforma tributária reforça injustiças e enfraquece papel social dos impostos
A forte presença do agronegócio nas emendas apresentadas à reforma tributária, revelada por uma investigação do portal UOL, evidencia o poder de grupos econômicos na formulação de políticas públicas no Brasil. A análise identificou 89 propostas redigidas por lobistas do setor, que resultaram em benefícios fiscais e redução de impostos sobre agrotóxicos, biodiesel e fundos de investimento ligados ao agro.
Para o economista Daniel Conceição, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento, o caso “mostra o quanto uma reforma tributária verdadeiramente eficiente e funcional seria necessária”, já que “essa é a evidência do problema que acabamos criando para a nossa sociedade quando há assimetrias de renda e riqueza muitíssimo grandes”.
Segundo ele, a influência de setores com alto poder financeiro “acaba fazendo com que eles consigam botar o dedo deles em cima das disputas políticas em torno de uma reforma importante, para o benefício deles; e para o benefício deles significa para o malefício do resto da sociedade, principalmente em questões como a remoção de desincentivos ao uso de agrotóxicos e outras coisas muito claramente nocivas para a população”.
Concentração de terra e poder político
Para Conceição, o peso político do agronegócio é um reflexo direto da desigualdade na estrutura fundiária brasileira. “Toda iniciativa que reduzir o tamanho das riquezas e das propriedades desses grupos de interesse e aumentar as riquezas distribuídas para grupos mais representativos da sociedade, como a reforma agrária, acaba contribuindo para a justiça distributiva”, defende.
Ele afirma que a concentração de poder econômico e político torna mais difícil a aprovação de medidas de redistribuição de terras e renda. “Uma reforma agrária muito agressiva, que ameace mesmo essa concentração de terra desigual e injusta no país, acaba sendo vítima desses lobbies, tanto quanto agora a reforma tributária”, disse.
Cópia dos da distorção democrática dos EUA
O professor também relaciona o avanço do lobby no Congresso à crescente influência de grupos empresariais sobre a democracia. “A presença desses lobistas representantes de grupos de interesse muito ricos é algo que vem se intensificando no Brasil, uma cópia direta da estrutura americana que deturpa e destrói a democracia lá e se repete aqui”, afirmou.
Na avaliação dele, o fenômeno desafia inclusive governos com compromisso social. “Um governo que deveria trabalhar para a população – acredito que o PT gostaria de atuar nesse sentido – vai ter que enfrentar poderes muito grandes para realizar isso”, pontuou.
Reforma regressiva e foco equivocado
Ao analisar o texto aprovado, Conceição criticou o caráter regressivo da reforma e a priorização do consumo como base de arrecadação. “Os impostos sobre consumo tendem a ser muito mais regressivos porque quanto maior a renda, menos o indivíduo gasta com itens de consumo”, explicou.
Ele também contestou a visão de que o Estado precisa “arrumar fontes de financiamento” para políticas públicas. “O governo gasta criando moeda, mas ele precisa e deveria combater injustiças distributivas. Esse deveria ser o principal foco da nossa reforma tributária”, defendeu.
O economista conclui que as mudanças para atender os interesses do agro reforçam desigualdades e enfraquecem o papel social dos impostos. “O tamanho do ataque aos interesses populares é surpreendente”, afirmou.
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