Com 40% da força de trabalho brasileira na informalidade, criminalizar prática equivale a tentar esvaziar oceano com colher furada
Os guardiões do erário público estão em pânico com a erosão tributária causada pela terrível pejotização. Supostamente, R$ 89 bilhões foram perdidos desde 2017 e uma arrecadação por trabalhador PJ é até 95% menor que a de um CLT. Quase dá para ouvir os burocratas engasgando com o café enquanto ignoram a alternativa real para esses trabalhadores pejotizados: o desemprego ou a informalidade total, em que a arrecadação é exatamente zero.
Nenhuma estratégia fiscal brilhante nisso. Com 40% da força de trabalho brasileira já na informalidade, criminalizar a pejotização equivale a tentar esvaziar o oceano com uma colher furada.
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A fantasia fiscal dos críticos é tão ingênua quanto absurda: proibir PJs faria todos serem contratados como CLT. Na realidade brutal, muitas vagas simplesmente desapareceriam ou mergulhariam de vez na informalidade. Quando formalizar custa um rim e meio, o resultado será sempre mais bicos e menos carteiras assinadas.
O Brasil já carrega uma carga tributária equivalente à de países desenvolvidos, 33% do PIB, mas entrega serviços públicos de qualidade incompatível com essa taxação, enquanto a Curva de Laffer nos lembra silenciosamente que tributação excessiva acaba reduzindo, não aumentando, a arrecadação total.
Têm circulado por aí estudos alarmistas com números impressionantes, gráficos coloridos e metodologias frágeis, que insistem em olhar para o fenômeno com uma visão puramente economicista, ignorando completamente os aspectos jurídicos, sociais e as novas formas de organização produtiva do século 21.
O setor de eventos exemplifica isso perfeitamente, com 80% dos trabalhadores na informalidade, bem acima da média nacional. Contratar formalmente para serviços sazonais de curtíssima duração é economicamente suicida para pequenas empresas. Esses trabalhadores permanecem invisíveis ao fisco, sem contribuição, sem impostos. A própria Abrafesta implora por um MEI específico para eventos, não para sonegar, mas para ao menos formalizar minimamente milhões de invisíveis.
A solução não está em travar esse movimento natural do mercado, mas em atualizar o sistema tributário para que acompanhe a nova realidade do trabalho. O problema central é que, hoje, a cobrança de impostos está concentrada demais na folha de pagamento, encarecendo brutalmente a contratação formal pela CLT e empurrando empresas e profissionais para outros modelos ou para a total informalidade.
A reforma trabalhista de 2017 surgiu quando o desemprego batia recordes e a informalidade explodia. Os resultados falam por si: desemprego despencou de 13% para 6,6% em 2024, e a informalidade ao menos estabilizou. O número de MEIs triplicou, ultrapassando 15 milhões em 2023, trazendo milhões que antes trabalhavam totalmente na sombra para algum nível de contribuição.
A OCDE já confirmou que regimes simplificados aumentam a formalização, como no México, cujo imposto simplificado trouxe 1,5 milhão de informais para o sistema. Na contramão, a Venezuela, com sua hiperproteção trabalhista, viu o emprego formal despencar de 62% para 46%, enquanto o trabalho informal disparou para 45%. Tanto protegeram o trabalhador que o jogaram direto na informalidade, num tiro no pé fiscal espetacular.
Comparar apenas a tributação direta entre CLT e PJ representa uma análise excessivamente limitada, que desconsidera os importantes efeitos secundários e a complexidade do sistema econômico como um todo. Frequentemente, profissionais que atuam como PJ recebem uma remuneração superior em comparação aos contratados via CLT para funções equivalentes. Esses recursos financeiros acabam circulando na economia através do consumo, gerando arrecadação indireta por meio de diversos tributos como ICMS, IPI e ISS.
Como no Brasil a maior parte da arrecadação vem de tributos indiretos, o governo recupera pela porta dos fundos o que perdeu pela entrada. Um sistema tributário que distribui a carga de forma mais equilibrada entre uma base ampla de contribuintes, principalmente via tributos sobre consumo, tende a ser mais eficiente e sustentável do que aquele que concentra uma tributação excessiva sobre um segmento reduzido de trabalhadores formais, enquanto uma parcela significativa da população permanece à margem da economia formal.
Além disso, os estudos que estão circulando cometem erros metodológicos graves, como excluir da amostra profissionais que faturam acima do teto do Simples Nacional, criando recortes artificiais que favorecem a narrativa de perda arrecadatória, e ignorando a complexa cascata de tributos pagos pelas pessoas jurídicas.
Por exemplo, a contratação via PJ pode liberar recursos extras para expansão, inovação ou mais contratações, vital para startups e pequenos negócios que precisam de agilidade. Sem o pavor dos passivos trabalhistas, empreendedores arriscam novas contratações, testam projetos inovadores e ocupam nichos que permaneceriam abandonados se cada admissão significasse um casamento indissolúvel com a CLT.
O ganho de produtividade vem de especialistas contratados sob demanda, projetos sazonais com equipes flexíveis e empresas enxutas produzindo mais com menos, alimentando crescimento econômico sustentável.
Os benefícios fiscais invisíveis surpreendem ainda mais: profissionais PJ não drenam os R$ 45 bilhões anuais do seguro-desemprego, não geram multas rescisórias astronômicas do FGTS, nem entopem a Justiça do Trabalho com processos onerosos aos cofres públicos. Esses custos evitados jamais entram na planilha Excel dos burocratas obcecados com arrecadação direta.
As implicações macroeconômicas desta questão são profundas e merecem atenção cuidadosa. Quando a regulação excessiva e a alta tributação sobre relações formais de trabalho superam determinados limites, acabam por inibir justamente a atividade econômica que gera receitas tributárias.
A persistência em modelos trabalhistas inadequados às realidades contemporâneas prejudica o surgimento de novos empreendimentos, reduz a geração de empregos e compromete a competitividade das empresas brasileiras no cenário internacional. Ao tentar maximizar a arrecadação imediata sobre cada vínculo empregatício formal, paradoxalmente, comprometemos o potencial arrecadatório futuro que viria do crescimento econômico sustentável.
Muito mais eficaz seria o Estado estimular novas formas de formalização, com modelos legais e modernos, como cooperativas, parcerias profissionais ou contratos civis de prestação de serviço, capazes de gerar arrecadação preservando direitos essenciais, tudo fora da CLT, mas dentro da legalidade.
Com o avanço tecnológico, sistemas como Pix, nota fiscal eletrônica e cruzamento de dados, o governo tem capacidade crescente de acompanhar movimentações financeiras e tributar de forma mais eficiente e menos burocrática.
As organizações que dispõem de maior flexibilidade em seus modelos de contratação tendem a apresentar maior dinamismo econômico, expandindo suas operações e elevando seus níveis de investimento, o que resulta na geração de mais valor para a economia como um todo. Esse crescimento, por sua vez, amplia a base tributária através de diversos mecanismos indiretos, o que potencialmente compensa eventuais reduções na arrecadação direta proveniente de encargos trabalhistas tradicionais.
A pejotização, na maioria dos casos, é uma resposta legítima à rigidez de um sistema que não acompanha a fluidez da nova economia. A evolução normativa e jurisprudencial já reconhece a legitimidade de relações empresariais autônomas entre prestadores qualificados e empresas, desde que ausentes os elementos típicos da relação de emprego. O debate sobre esse fenômeno precisa urgentemente incorporar outras vozes além da economia, especialmente o Direito, para compreender adequadamente as novas relações de trabalho do século 21.
A pejotização funciona como válvula de escape num sistema asfixiante, um remédio amargo que mantém milhões economicamente ativos e contribuindo, ainda que modestamente. Antes de demonizá-la, devemos encarar a realidade brutal: ou aceitamos formas flexíveis de trabalho, ou condenamos uma fatia colossal da população à completa clandestinidade fiscal.
A verdade é inescapável: o Brasil se sustenta com milhões de cidadãos contribuindo, consumindo e inovando, não com meia dúzia de trabalhadores hipertaxados. As evidências econômicas demonstram consistentemente que políticas de inclusão produtiva são mais eficazes que abordagens restritivas em todos os cenários analisados.
Em lugar de adotar posturas punitivas em relação aos profissionais que atuam como pessoas jurídicas, seria mais produtivo concentrar esforços no enfrentamento dos fatores estruturais que alimentam a informalidade e compõem o chamado Custo Brasil.
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Se a preocupação central for a disparidade tributária entre os regimes CLT e PJ, uma abordagem mais equilibrada seria considerar a redução da carga fiscal sobre o emprego formal, aproximando progressivamente os diferentes regimes de contratação, ao invés de penalizar modelos alternativos que têm demonstrado viabilidade econômica.
Um sistema tributário mais simples e com alíquotas mais homogêneas poderia promover uma competição mais justa entre as diferentes formas de trabalho, sem sufocar a inovação ou a flexibilidade necessárias ao mercado contemporâneo.
O paradoxo é evidente: na obsessão por maximizar receitas tributárias através de modelos engessados, podemos comprometer precisamente o dinamismo econômico que poderia sustentar um sistema mais robusto e inclusivo. É hora de reconhecer que a verdadeira riqueza de uma nação não se mede pela rigidez de suas estruturas, mas pela capacidade de adaptar-se às transformações do mundo e pela habilidade de incorporar, de forma produtiva, o maior número possível de cidadãos à economia formal.
O Brasil do futuro não será construído com amarras do passado, mas com a coragem de abraçar as novas realidades do trabalho, garantindo que a tributação seja um instrumento de desenvolvimento, não um obstáculo ao progresso.
Fonte: Jota