segunda-feira, agosto 18, 2025
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Por que a resposta do governo ao tarifaço amplia o drama das contas públicas

Mais uma vez, o governo Lula desembolsará recursos que não serão contabilizados no cálculo do resultado primário, o que debilita ainda mais as bases do arcabouço f

O anúncio do pacote de medidas para socorrer as empresas afetadas pelo tarifaço reacendeu o alerta sobre a situação das contas públicas. Mais uma vez, o governo Luiz Inácio Lula da Silva desembolsará recursos que não serão contabilizados no cálculo do resultado primário, o que debilita ainda mais as bases do arcabouço fiscal e afeta a já baixa credibilidade da equipe econômica, na avaliação de economistas ouvidos pelo PlatôBR. O temor é de que essa situação se agrave ainda mais com a aprovação de mudanças na contabilidade dos precatórios e com novos programas sociais gestados pela administração petista.

A exclusão dos gastos com o plano de contingência da meta fiscal se soma aos precatórios, ao socorro ao Rio Grande do Sul, às despesas com a emergência climática decorrente das queimadas, ao ressarcimento de aposentados na fraude do INSS e aos desembolsos com o programa Pé-de-Meia. No mercado, a avaliação é de que o governo deveria reduzir os gastos públicos, reavaliar programas sociais e reduzir o ritmo de correção da despesa para equilibrar as finanças.

Drama fiscal
A situação fiscal do país é descrita como dramática pelo economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, e tende a se agravar até o fim do próximo ano. “As metas fiscais só vêm sendo cumpridas por conta de uma série de waivers (renúncias). As despesas fora do arcabouço só crescem. E o governo já vem, de um tempo para cá, usando fundos públicos e privados para fugir da restrição fiscal”, diz.

Para piorar, segundo ele, a proposta enviada dias atrás ao Congresso para regulamentar o socorro ao setor privado não fixa um limite de recursos que podem ser gastos fora da meta. “É um choque muito negativo na credibilidade da política fiscal, que já era muito baixa”, prossegue.

Nesse caso, o governo admite que pode ser necessário elevar o total de recursos aportados fora da meta para socorrer empresas afetadas pelo tarifaço. “Hoje não (tem teto). Pode eventualmente ter necessidade de algum aporte complementar. Isso é saudável que você faça, para não ter que ficar toda hora aprovando uma nova lei complementar”, afirmou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em entrevista à Folha de S.Paulo.

Riscos fiscais
Os riscos fiscais não param por aí. Leal de Barros lembra que o governo promete lançar nos próximos meses um novo programa social para a compra de botijões de gás para famílias de baixa renda, outro para a compra de motocicletas e mais um para reformas residenciais, sem qualquer espaço fiscal no orçamento.

Nas contas do economista, o déficit público real da economia brasileira, considerando todos os abatimentos previstos no arcabouço, será equivalente a 0,6% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2025. O governo tem como objetivo zerar o rombo nas contas públicas neste ano, com uma banda de tolerância, para cima ou para baixo, de 0,25 ponto percentual.

Para 2026, o arcabouço prevê como meta um superávit de 0,25% do PIB, mas Leal de Barros estima um rombo que corresponderá a 0,9% da geração de riquezas no país. Essas projeções podem ser revistas para pior, caso o governo crie mais despesas.

Arcabouço irrelevante
A estabilização da dívida pública depende de superávits primários recorrentes de 2,5% do PIB nos próximos anos, afirma Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do Asa e ex-secretário do Tesouro Nacional no governo Jair Bolsonaro. Entretanto, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias divulgado em 22 de julho pelo Ministério da Fazenda e pelo Ministério do Planejamento estimou que o rombo nas contas públicas totalizará R$ 74,9 bilhões em 2025, o equivalente a 0,6% do PIB.

Com os abatimentos previstos de R$ 48,6 bilhões, o resultado oficial cai para um rombo de R$ 26,3 bilhões, que corresponde a 0,2% do PIB. Nas contas de Bittencourt, o resultado será pior, com um rombo próximo de R$ 90 bilhões, equivalente a 0,7% do PIB. “Digamos que a meta de zerar o déficit público fosse cumprida em 2025. Mesmo assim, o resultado seria insuficiente para gerar qualquer perspectiva de estabilização da dívida pública”, afirma.

Para o ex-secretário do Tesouro, além da meta ser pouco ambiciosa, a previsão para o ano parte de um déficit de 0,7% diante dos abatimentos previstos que tornam o resultado irrelevante. “Qual a referência que a meta me dá? Se fosse cumprida, seria pouco ambiciosa. Como referência, é irrelevante porque permite um volume absurdo de abatimentos”, acrescenta Bittencourt.

Diante dessa perspectiva, o mercado espera que dívida pública alcance 79,80% do PIB em 2025 e 83,87% da geração de riquezas no país no próximo ano, segundo dados do Prisma Fiscal, divulgado mensalmente pelo Ministério da Fazenda. Para 2032, a previsão é de que o endividamento público corresponda a 93% do PIB, conforme dados do Boletim Focus, do Banco Central (BC).

PEC dos precatórios
O debate sobre as contas públicas deve ganhar ainda mais destaque com a votação pelo Congresso da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 66/2023 nas próximas semanas, observa Bittencourt. A proposta cria novas regras para precatórios, retira o pagamento dessas despesas do teto de gastos e prevê um mecanismo de transição de dez anos para que a União incorpore o estoque dos valores na meta fiscal.

A transição começa em 2027. A cada ano, 10% do total de precatórios passará a ser incorporado à meta prevista na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Assim, ao final de dez anos, o valor total estará dentro da meta.

“A PEC aumenta o limite de gastos em R$ 13 bilhões em 2026, o que é expressamente vedado pelo arcabouço fiscal. A regra proíbe incorporação de créditos suplementares ao limite de gastos. Mais uma vez, há uma fragilização do arcabouço”, critica Jeferson Bittencourt.

Reforma dos gastos
A crise de confiança que paira sobre o arcabouço fiscal, segundo Bittencourt, poderia ser superada com medidas para reduzir o gasto público ou frear o ritmo de crescimento. Entre elas, a desvinculação do reajuste do salário mínimo dos benefícios sociais, a mudança da regra de correção do salário mínimo, além de uma avaliação efetiva de programas sociais que poderiam ser fundidos a outros, excluídos ou recalibrados.

Uma outra parte desse ajuste, defende o economista, passa por reduzir o ritmo de correção das despesas previstas no arcabouço, atualmente em 2,5%. Caso isso não seja feito, a redução de gastos obrigatórios corre o risco de ser convertida em despesa discricionária, como ocorre com as emendas parlamentares.

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