Ministro do STF afirma que Marco Civil da Internet precisava de atualização e que ECA Digital é ‘salto qualitativo’
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quinta-feira (23/10) que existe um desafio em implementar as medidas de regulação das plataformas digitais, e que essa demanda exige “muito esforço coletivo”, pela sociedade como um todo, e não só pelas instituições.
O magistrado se referiu ao chamado ECA Digital (Lei 15.211/2025), conhecido popularmente como “PL da Adultização”, que estabelece um marco legal para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais, com foco em jogos eletrônicos e redes sociais, e à decisão do Supremo sobre o Marco Civil da Internet.
“[Essa implementação] exige um esforço do pensamento acadêmico, das famílias, embora não seja justo onerar em demasia as famílias. O STF pode muito, mas não pode tudo, sobretudo nos temas de tecnologia”, declarou.
A fala foi feita durante mesa no XXVIII Congresso Internacional de Direito Constitucional, realizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília. O JOTA faz a cobertura do evento que termina nesta quinta-feira (23/10), e reuniu autoridades dos Três Poderes.
Conforme Dino, a decisão sobre o Marco Civil da Internet foi tomada por uma necessidade de atualização da norma diante das inovações tecnológicas. “Desejávamos que o Congresso tivesse feito a atualização, porque 11 anos em termos de evolução tecnológica é muito tempo”, afirmou.
No julgamento, encerrado em junho deste ano, o STF ampliou a responsabilização de plataformas digitais por conteúdo publicado por usuários.
Para Dino, a regra original de que a responsabilidade civil da plataforma só nasce a partir do momento da decisão judicial de retirada de determinado conteúdo não atendia mais as circunstâncias atuais. “A velocidade, o peso de disseminação dessas notícias [falsas], levando a danos irreversíveis”, exemplificou.
Sobre o ECA Digital, Dino considerou que a norma equilibrou uma regulação mais dura com a auto regulação regulada.
“Na medida em que o Congresso aprova uma lei, ainda que sobre tema específico, isso deve ser visto como salto qualitativo, num momento em que temos hiper judicialização”, afirmou. “A lei deve ser vista assim, que converge em relação à visão dominante, no judiciário, no sentido de que a tecnologia corresponde a direito fundamental e com tal um direito cotejado com outros direitos”.
O secretário Nacional de Defesa do Consumidor, Paulo Pereira, afirmou que o ECA Digital deve ser visto como uma referência da “missão civilizatória” para os próximos anos sobre a regulação do ambiente digital.
“A sociedade é a sociedade das regras. O debate é sobre quem fará as regras. Se o ambiente digital terá autonomia total para fazer suas próprias regras, porque aqueles espaços são regrados, ou se nós, como sociedade, temos o direito de dizer sobre as regras que afetam nossas famílias”, declarou
Segundo Pereira, a falta de uma norma do tipo representava a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor para uma parte da sociedade.
“Nosso papel agora é abraçar o ECA Digital, para proteger o bem mais precioso que temos, e mostrar que esse vai ser o primeiro passo para civilizar o mundo digital”, afirmou.
Já Marina Pita, secretária Nacional de Direitos Digitais Substituta, destacou que o ECA Digital avança sobre pontos para além de condutas criminosas na rede, mas também em direção de lidar com um “ecossistema econômico” que funciona na internet e que também precisa observar regras para que essa exploração “se dê de acordo com princípios constitucionais”.
“No debate legislativo é muito fácil apontar o dedo para o criminoso, o pedófilo, e avançar numa perspectiva penal. Mas reconhecer que existe exploração comercial e que existem sujeitos hipervulneráveis que precisam de uma legislação específica”, declarou.
Para Pita, a norma tem outros pontos importantes, como o que trata de evitar o uso compulsivo de produtos e serviços das plataformas. Segundo a secretária, ainda há uma tarefa relevante de aprimoramento na discussão sobre a regulação da inteligência artificial (IA). O texto foi aprovado no Senado e está em uma comissão especial da Câmara.
“Ele [o projeto] ainda é fraco em termos de proteção da infância e acho que é nossa tarefa avaliar o que falta e o que a gente precisa cobrir”, afirmou.
O Secretário Nacional de Direitos Digitais Substituto, Ricardo de Lins e Horta, destacou que o tema da proteção da criança e do adolescente é muito pouco polêmico e que há preocupação da sociedade, o que facilitou a aprovação da medida.
Segundo ele, há uma “grande perda de confiança da sociedade brasileira na internet”, que se revelou um ambiente de perigos e um meio de tornar as pessoas dependentes.
Horta disse que o ECA Digital foi uma tentativa de resgatar uma forma de proteção às crianças que já é adotada no mundo real, como a adequação de ambientes de acordo com a idade.
Ele disse ver a aplicação de uma aferição de idade na internet brasileira, estabelecida no ECA Digital, como uma das medidas mais importantes da norma. “Isso significa que algumas coisas que a gente faz na internet com auto declaração, de ‘clique aqui se você tem mais de 18 anos’. A ideia é que a gente vá ter um controle de entrada nesses ambientes digitais que não são adequados para crianças e adolescentes”.
Professor da Universidade de Granada, na Espanha, Antonio Pérez Miras considerou o Brasil uma “potência mundial na regulação da internet e do mundo digital”.
Segundo ele, o Brasil está regulando esse tema melhor do que a Europa, que focou na regulamentação do mercado. “Na Europa, temos um problema muito importante, de que nós não temos uma constituição formal, nós temos uma constituição material. O problema é que toda a regulamentação europeia é uma regulamentação dos mercados digitais, e as crianças e adolescentes são um produto”, declarou.
Para Miras, os valores constitucionais estão em risco atualmente não só pelos movimentos populistas pelo mundo, mas também devido às grandes empresas tecnológicas.
“As empresas precisam que todos nós sejamos produtos, e não pessoas. Quando falamos das pessoas mais vulneráveis, como são os menores [de idade], as regulamentações específicas são ainda mais importantes. E não podemos ter medo de dizer que a liberdade tem limites”.
Isabella Henriques, CEO do Instituto Alana, organização que atua na promoção dos direitos das crianças e adolescentes, disse que o ECA Digital representa a possibilidade da sociedade se unir em torno de uma pauta relevante. Ela destacou o amplo endosso que congressistas de diversas posições ideológicas deram ao texto.
Henriques afirmou que a aprovação contou com a contribuição da sociedade civil nos debates e que a norma é uma “devida resposta aos anseios da população”.
A CEO destacou que o ECA Digital traz uma série de regras que fazem jus à previsões constitucionais: “mecanismos de supervisão parental, regras para fornecedores de produtos de tecnologia, necessidade de regulamentação pelo executivo, necessidade de fiscalização e a possibilidade de sanções administrativas e pelo Judiciário”.
Fonte:JOTA

