Especialista alerta para impacto do split payment em fluxo de caixa, PMEs e riscos de judicialização
A Receita Federal está desenvolvendo um sistema tecnológico sem precedentes para operacionalizar os novos tributos sobre consumo previstos na reforma tributária. De acordo com a Receita Federal, a plataforma terá capacidade para processar 70 bilhões de notas fiscais por ano, volume 150 vezes maior que o Pix, e permitirá o recolhimento automático de impostos (CBS e IBS) por meio do mecanismo de split payment.
Na visão do governo, a ferramenta reduzirá drasticamente a sonegação, acabará com empresas de fachada conhecidas como “noteiras” e permitirá até ressarcimento de créditos tributários em horas. O projeto-piloto já está em fase de testes com 500 empresas e deve entrar em funcionamento em 2026, com adoção plena a partir de 2027.
Entretanto, especialistas alertam que o entusiasmo com a tecnologia precisa ser acompanhado de cautela. Para o advogado Marcelo Costa Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados Associados, especialista em Direito Tributário e CEO da Censoni Tecnologia Fiscal e Tributária, a transição para o split payment trará desafios operacionais, financeiros e jurídicos significativos.
“O split payment altera radicalmente o fluxo de caixa das empresas. Hoje, o valor integral da venda entra no caixa e depois os tributos são recolhidos. Com o novo sistema, os impostos serão retidos no momento da transação. Isso impacta diretamente o capital de giro, especialmente em setores de margens estreitas e nas pequenas e médias empresas (PMEs)”, afirma.
Além da questão financeira, Censoni Filho ressalta que as empresas precisarão investir em tecnologia para integrar sistemas de gestão (ERPs), rever contratos e se preparar para múltiplas modalidades de split payment previstas na regulamentação.
“A fase de adaptação exigirá ajustes complexos, como a emissão individualizada de notas fiscais em setores que hoje trabalham com documentos consolidados. Se não houver um período de transição adequado, o risco é de caos operacional em 2026”, alerta.
O advogado também vê potencial aumento da litigiosidade.
“Divergências sobre a modalidade de split aplicável, erros de recolhimento ou atrasos em devoluções podem levar a disputas judiciais. Há ainda discussões constitucionais sobre livre iniciativa e confisco, caso o sistema inviabilize operações legítimas”, explica.
Para Censoni, a modernização é positiva, mas precisa ser calibrada para não sufocar o setor privado.
“A reforma traz a promessa de simplificação, mas, para que isso se concretize, será necessária colaboração estreita entre governo e empresas. PMEs, em especial, devem se preparar desde já, projetando impactos financeiros, negociando linhas de crédito preventivas e investindo em tecnologia. Quem se adiantar terá mais condições de atravessar essa transição sem comprometer sua sustentabilidade”, conclui.
Cláusulas de preço e repasse de tributos ganham relevância com criação de CBS e IBS
A entrada em vigor da reforma tributária, que substitui tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), não deve impactar apenas a rotina fiscal das empresas. Para especialistas, a mudança também atinge a redação e a interpretação de contratos, exigindo maior atenção a cláusulas de preço, repasse de tributos e mecanismos de reajuste.
Carlos Crosara, advogado do Natal & Manssur Advogados, afirma que será necessária a revisão dos contratos anteriores, já que os novos tributos vão onerar os preços tanto na aquisição de insumos quanto na venda de mercadorias e serviços.
“As cláusulas de preço precisarão ser reavaliadas com muito cuidado, pois isso interfere diretamente na rentabilidade e no fluxo de caixa. É recomendável a menção expressa à CBS e ao IBS esteja prevista nos contratos, definindo claramente se os custos serão repassados integral ou parcialmente”, observa.
Ele lembra, porém, que existe um mecanismo de atenuação: a não cumulatividade plena. “Todos os insumos adquiridos com incidência da CBS e do IBS vão gerar direito a crédito integral na saída. Ainda assim, como a alíquota geral prevista é de 26,5%, o impacto será muito relevante para o custo de aquisição, o fluxo de caixa e o capital de giro. Por isso, os empresários precisam ter atenção redobrada nesse ponto.”
Para Erlan Valverde, sócio do IW Melcheds Advogados, a redação genérica das cláusulas de repasse pode abrir espaço para disputas judiciais. “Quanto mais aberta for a cláusula, mais complexa será a discussão em caso de revisão contratual. A alteração tributária pode ser alegada como fato imprevisível, permitindo pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro”, explica. Ele lembra que a Lei Complementar 214/25 já prevê critérios de reajuste em contratos administrativos, mas alerta para a dificuldade de renegociações em setores como saneamento.
Outro desafio apontado por Valverde é quando empresas em um mesmo contrato estão em regimes distintos, como Simples Nacional e regime regular. “Os adquirentes poderão pressionar fornecedores optantes pelo Simples a adotar o regime híbrido, mas sem repassar a majoração tributária. Esse será um ponto de tensão contratual importante”, afirma.
Nos contratos de longa duração, o risco é ainda maior, segundo Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados.
“Uma obra ou contrato de fornecimento assinado agora pode atravessar o período de transição da reforma (2026–2033), com diferentes regimes aplicáveis em fases distintas da execução. Por isso, é altamente recomendável incluir cláusulas de recomposição tributária, prevendo ajustes automáticos em caso de alteração legislativa”, orienta.
Ele acrescenta que setores como construção civil, energia, concessões de infraestrutura e contratos de fornecimento industrial precisam dessa proteção, já que uma mudança tributária no meio da execução pode até inviabilizar economicamente a operação. Para as pequenas e médias empresas, Garcia recomenda atenção especial: “Sempre que assinarem novos contratos, devem incluir cláusulas-padrão de repasse, estruturar controles para não perder créditos no cruzamento de sistemas e prever reajustes periódicos também por variação tributária.”
Fonte: Monitor Mercantil