Sob orientação de Motta, proposta é discutida por Pedro Paulo com bancadas partidárias do Congresso antes de ser tornada pública
A reforma administrativa será uma prioridade da Câmara neste ano. É o que tem dito o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), há alguns meses. Ele reforçou a posição em plenário, na última quarta-feira (3/9), na abertura da comissão geral que discutiu o tema.
Segundo Motta, a tramitação prioritária já foi alinhada com as lideranças partidárias da Câmara e a proposta de reestruturação da máquina pública, construída sob a liderança do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), “apresenta algo palpável e bastante amadurecido”.
No entanto, os projetos de lei que vão tratar do tema ainda não foram apresentados publicamente e não há previsão de quando serão protocolados. Até agora, o que se sabe sobre a reforma é apenas o que vem sendo dito pelo parlamentar carioca, relator do grupo de trabalho que discutiu o assunto no Congresso.
Pedro Paulo já adiantou que a proposta deve trazer o fim das férias de 60 dias para algumas carreiras e acabar com a aposentadoria compulsória como pena máxima. A implementação de uma tabela remuneratória única também está no radar e, embora ainda sem detalhes específicos, os fundos privados de honorários da advocacia pública também deverão ser atacados. Ao todo, serão cerca de 70 dispositivos apresentados por meio de uma emenda à Constituição (PEC), uma proposta de lei ordinária (PLP) e uma complementar (PL). As proposições tratarão de três principais eixos: governança, transformação digital e profissionalização do serviço público.
A estratégia, orientada por Motta, é de, por ora, buscar convergência e trabalhar pelo consenso em relação aos textos internamente junto às bancadas partidárias antes de expor os projetos ao crivo da opinião pública. O périplo pelos partidos, que Pedro Paulo conduz desde o início de agosto, ainda não terminou. Ao longo desta semana, o deputado deve se reunir com PSol, MDB, Cidadania, PL e frentes parlamentares para tratar das propostas.
A posição do governo ainda é nebulosa. Apesar de publicamente a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, indicar maior concordância do que discordância em relação ao que tem sido apresentado por Pedro Paulo até agora, ainda há pontos de grande sensibilidade para o ministério. O principal deles envolve a criação de um novo vínculo estatutário no serviço público por tempo determinado, com duração de até dez anos.
A ministra também já manifestou preocupação com o impacto fiscal de um 14º salário ligado à produtividade, embora Pedro Paulo minimize o efeito na folha, considerando que o benefício seria pago somente aos servidores que alcançarem metas específicas de avaliação e desempenho.
Ao JOTA, interlocutores do governo afirmam que o posicionamento da Esplanada ainda não está pacificado. Há cautela sobre tomar lados diante da apresentação recente da versão final do projeto ao ministério, feita de forma restrita à ministra e a poucos técnicos. A avaliação é de que é preciso maturar melhor os pontos e há receio de que dispositivos relacionados a contratos possam afetar a estabilidade do servidor público e incentivar a terceirização.
Um dos pontos centrais da reforma deve ser a criação de uma tabela salarial única a todos os servidores, de qualquer esfera ou poder, incluindo desde o salário mínimo até o teto constitucional da administração pública. Segundo o deputado, a medida, que descreveu como possivelmente a “mais impactante” da proposta durante a comissão, terá um prazo de 10 anos para ser implementada.
Outra medida prevista é a ampliação das carreiras para, no mínimo, 20 níveis de progressão, que serão definidos pelo desempenho dos servidores, e não mais pelo tempo de serviço. Quanto aos contratos temporários, a reforma não deve determinar quem poderá ocupar essas posições, mas estabelecerá regras gerais para esse tipo de contratação, a ser organizada por um banco nacional de temporários.
Também deverão ser disciplinados os fundos privados da advocacia pública para a separação de honorários e encargos legais. Já no caso das verbas de caráter indenizatório, a reforma deve estabelecer conceituação mais específica para trazer mecanismos para limitar retroatividades e diminuir as exceções ao teto salarial.
O projeto abordará ainda os cartórios, com o objetivo de regulamentar o preço público dos emolumentos, que impactam tanto a população quanto as empresas.
A reforma incluirá medidas de correção orçamentária. Uma delas é uma revisão anual de gastos, inspirada no modelo do Reino Unido, obrigatória em todos os entes federativos. Também propõe a racionalização de despesas em municípios, limitando os gastos com secretarias em cidades que dependem de verbas transferidas, e a padronização das estruturas de gabinetes nos níveis estadual e municipal.
PEC à vista
Com a letra do texto desconhecida, o que pode ser emendado à Constituição pela reforma é um ponto de receio para especialistas, que temem proposições engessadas ou que não considerem especifidades locais.
Do que foi adiantado por Pedro Paulo até agora, na PEC da reforma administrativa deverá constar a obrigatoriedade de que todo chefe de governo (presidente, governador e prefeito) apresente um planejamento estratégico em até 180 dias após a posse. O plano de governo entregue durante a campanha servirá como base, a ser aprimorado com o diálogo com servidores e setores da sociedade. A medida já foi descrita pelo deputado como “a espinha dorsal da meritocracia no serviço público”.
Também deve ser inserida na Constituição a obrigação de que todo ato seja digital e rastreável. A medida, que integra o eixo de transformação digital, deverá, segundo o relator, acabar com a burocracia e falta de transparência de processos. Em uma outra seara associada ao digital, a proposta também deverá ter mecanismo de incentivo à inovação no serviço público.
À espera de Pedro Paulo
Especialistas e representantes de setores temem a opacidade do processo de discussão sem a apresentação formal dos projetos que comporão a reforma. “É muito difícil avaliar qualquer coisa sem ter um texto escrito. Porque tem falas aqui e ali, um powerpoint que aparece de vez em quando, mas a gente ainda não sabe exatamente qual é o conteúdo que está em jogo”, diz a especialista em administração pública Gabriela Lotta, professora da FGV-SP e coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB).
O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, afirma ainda que a falta de texto tem gerado apreensão e que não parece haver perspectiva de um verdadeiro consenso mesmo entre os participantes do grupo de trabalho em relação à proposta. Quando o GT foi instalado, em maio, a previsão era a de que ao menos um relatório com sugestões para a reforma fosse apresentado até meados de julho, o que não ocorreu.
Para Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente, há uma frustração legítima com a postergação da apresentação das propostas. Mas ela considera o tempo adicional positivo para o amadurecimento dos textos. “Eu não acho que é uma demora, acho que é o tempo necessário mesmo, para que as lideranças envolvidas sintam mais segurança e fechem todas as pontas, para que quando a proposta for a público, ela esteja madura, tenha sido dialogada e incorpore visões plurais”, afirma.
Do que já foi apresentado, Lotta identifica alguns consensos, como o combate aos supersalários, que une esquerda e direita, mas questiona se esse tema será prioridade política. Ela também vê pontos promissores, como a regulamentação do concurso nacional unificado e a nacionalização de práticas de gestão de pessoas, mas ressalta que tudo depende da forma como eles forem detalhados e se levarão em conta especificidades locais. Sua maior preocupação recai sobre a criação de vínculos temporários longos, que, segundo ela, podem institucionalizar carreiras precárias e vulneráveis a pressões políticas.
O combate aos supersalários é, para o Movimento Pessoas à Frente, um dos pontos centrais da reforma. Jessika Moreira avalia que a audiência da última semana refletiu um consenso crescente na sociedade sobre a necessidade de mudanças no setor público.
Mas alerta que, na definição do que será incluído na emenda constitucional, apenas o estritamente necessário deve constar, para não engessar a gestão de pessoas e preservar espaço para inovação.
Fonte:JOTA