Campo Grande (MS) – A Medida Provisória nº 1.063 de 2021, sancionada no dia 11 deste mês, autoriza a venda direta de etanol pelas usinas sucroenergéticas aos postos de combustíveis. O principal intuito seria tornar o preço do biocombustível vantajoso em relação à gasolina, mas, segundo especialistas, a mudança não deve surtir o efeito desejado.
Para o doutor em economia Michel Constantino, na teoria a mudança poderia impactar na redução dos preços ao consumidor, porque a etapa de distribuição seria eliminada.
“Com o etanol indo direto da usina para o posto de gasolina, você elimina o distribuidor que faz essa ponte, e isso poderia reduzir [o preço]. Mas pode, não é que vai reduzir, porque o preço final quem determina é o posto de combustível”, analisa.
O diretor do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis Automotivos (Sinpetro-MS), Edson Lazarotto, acredita que o processo continuará igual e, com isso, os preços não tendem a cair.
“Entendemos que a venda direta aos postos pode acontecer, mas não trará a redução tão esperada por nós e pelo consumidor final, porque as usinas terão de se adaptar aos procedimentos que hoje são feitos pelas distribuidoras, como: logística, custo do frete, qualidade desse produto e, o mais importante, a parte tributária, que nem o governo ainda sabe como será”, pondera.
A Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul) também aponta que não há como estimar uma queda de preços e nem se ela acontecerá.
“Ainda não é possível estimar uma eventual redução de preços do etanol hidratado, nem sequer se acontecerá, são muitos fatores de mercado envolvidos no processo. A partir da entrada em vigor da medida é que vai se poder avaliar a dinâmica dos preços”, explicou em nota.
Até agora, as usinas produtoras de etanol só podem vender o produto para as distribuidoras de combustíveis, que, por sua vez, comercializam aos postos revendedores.
Com a entrada em vigor da MP, produtores de etanol terão a opção de vender o produto diretamente aos postos revendedores, mas a venda direta não será obrigatória.

– Arquivo/Correio do Estado
VALIDADE
Segundo publicação do Diário Oficial da União, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) tem 90 dias para regulamentar a MP, e o processo de venda direta passa a valer a partir do dia 1º de dezembro deste ano.
Conforme a agência de classificação de risco de crédito Fitch Ratings, a maioria das empresas sucroenergéticas não deve adotar a medida.
“A venda direta de etanol a varejistas é opcional e poucos devem adotá-la, pois exige muito em termos logísticos. A operação também seria um desafio para o capital de giro, pois os distribuidores são responsáveis por uma parte relevante do armazenamento de etanol durante a safra e a entressafra”, explica em nota.
Ainda segundo a agência, as margens das distribuidoras de combustíveis são baixas e sua grande escala beneficia a cadeia de abastecimento.
“Também limitam os ganhos das usinas de etanol com o programa de crédito de carbono RenovaBio, pois os créditos de descarbonização (CBios) são emitidos por produtores com base nas vendas a distribuidores”, reitera a nota.
PREÇOS
Dados da ANP apontam que, em um ano, o biocombustível subiu 45,2% em Mato Grosso do Sul. Em agosto de 2020, o etanol era vendido a R$ 3,55 nos postos do Estado, enquanto neste mês o preço médio aferido é de R$ 4,59 por litro.
Analistas apontam que o cálculo que considera o rendimento dos combustíveis nos motores dos carros determina que o abastecimento com etanol é economicamente vantajoso desde que seu valor corresponda a, no máximo, 70% do preço do combustível fóssil.
Em agosto deste ano, o litro da gasolina é comercializado a R$ 5,88, enquanto o do etanol a R$ 4,59 – o litro do etanol equivale a 78% do preço da gasolina, ou seja, não compensa a troca.
A gestão estadual também investiu em medidas para tentar dar competitividade ao biocombustível. Em fevereiro de 2020, o governo do Estado alterou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) dos combustíveis no Estado.
A alíquota da gasolina subiu de 25% para 30% e a do etanol foi reduzida de 25% para 20%. Na prática, a substituição da gasolina pelo etanol só foi possível em algumas semanas desde então.
O diretor do Sinpetro acredita que uma mudança mais eficaz deveria ser proposta pelos gestores.
“Queremos que apareça uma solução para o etanol ficar competitivo, mas isso demanda um esforço conjunto dos usineiros e dos governos estaduais e federal. Entendemos que somente com a mudança tributária estadual poderíamos ter essa paridade”, completa Lazarotto.
O economista destaca que, se o etanol apresentasse queda nos preços, consequentemente a gasolina também seria reduzida.
“Se o etanol tivesse uma redução nos preços seria importante, porque como a gasolina tem 25% de etanol, cairia também o preço do combustível. Mas o que realmente faria reduzir os preços seria uma oferta maior dos produtos”, conclui Constantino.
MEDIDA
A MP propõe alterações na Lei nº 9.478, de 1997. Além da venda direta das usinas aos revendedores, a medida também abre a possibilidade dos postos que optarem por exibir a marca comercial do distribuidor comercializarem, também, combustíveis de outros fornecedores. Mas, para isso, o consumidor deve ser informado.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que as alterações no mercado de combustíveis foram discutidas durante um longo período.
“Não é fácil resolver as coisas, você tem que quebrar resistências, têm lobbies, tem gente importantíssima trabalhando contra, como tem trabalhando a favor também”, disse. “O interesse é da população. Está aí a medida provisória assinada, se Deus quiser ela tramitará sem percalços”, afirmou, referindo-se à tramitação da matéria no Congresso Nacional.
A matéria tramita em regime de urgência no Congresso e os parlamentares têm até 120 dias para aprovar a conversão da medida em lei.
Fonte: Correio do Estado