O governo dos Estados Unidos iniciou uma investigação formal contra o Brasil com duras críticas ao sistema de pagamentos instantâneos Pix, acusando o país de adotar práticas que “minam a competitividade” de empresas americanas nos setores de comércio digital e serviços de pagamento eletrônico. A apuração foi oficializada pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) na última terça-feira (15) e terá audiência pública em setembro.
Segundo o documento divulgado pelo USTR, uma das principais preocupações dos EUA está na suposta vantagem concedida pelo governo brasileiro ao Pix, que teria sido estruturado de forma a beneficiar serviços locais em detrimento de soluções oferecidas por empresas americanas.
“No modelo americano, o concorrente do Pix seria o Zelle, que é feito por uma empresa privada e apenas alguns bancos têm adesão. Aqui no Brasil, o Pix é provido pelo Banco Central e qualquer instituição financeira regulada pode participar”, explica Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora.
O Pix também vem ganhando terreno de cartões, atingindo negócios das gigantes americanas Visa e Mastercard. Lançado em 2020, o Pix é hoje a principal ferramenta de pagamento eletrônico do país, com mais de 170 milhões de usuários registrados.
“O Brasil impõe práticas que elevam os riscos operacionais, limitam serviços e reduzem os retornos de investimentos das empresas norte-americanas”, afirma o relatório do USTR.
Por outro lado, os cartões seguem com papel relevante no mercado de pagamentos brasileiro. Em 2024, o Pix foi o meio de pagamento que mais cresceu em número de transações, com alta de 52% e participação de 47% do total de pagamentos eletrônicos no último trimestre do ano. Ainda assim, os cartões demonstraram resiliência: o número de transações com crédito subiu 11%, com pré-pagos aumentou 19,2% e com débito teve leve alta de 2,5%, somando um avanço médio de 9,8%.
Segundo dados do Banco Central, o total de cartões de crédito ativos chegou a 235 milhões (+14%), enquanto os pré-pagos atingiram quase 74 milhões (+9%). Apenas os cartões de débito apresentaram retração, passando de 162 milhões para 154 milhões.
A expectativa, no entanto, é que esses números sigam mudando. Em junho, os bancos liberaram o Pix Automático, que permite fazer pagamentos de contas recorrentes, e se soma aos já existentes Pix agendado, por aproximação e parcelado.
Mesma estratégia usada com a Indonésia
A inclusão do Pix na lista de práticas comerciais contestadas pelos Estados Unidos repete uma abordagem já adotada por Washington em relação a outro país emergente: a Indonésia. Em abril, o USTR classificou o sistema de pagamentos QRIS, desenvolvido pelo Banco da Indonésia, como uma barreira não tarifária, apontando que as mudanças foram implementadas sem consulta às empresas americanas nem aviso prévio sobre os impactos do novo modelo.
O QRIS, assim como o Pix, permite transações instantâneas via QR codes, facilitando pagamentos digitais entre consumidores e empresas no país. O avanço do sistema indonésio despertou reações semelhantes às que agora recaem sobre o Brasil: segundo o governo dos EUA, plataformas de tecnologia e serviços de pagamento estariam em desvantagem competitiva.
Na ocasião, Washington impôs tarifas de 32% a produtos vindos da Indonésia. O impasse foi parcialmente resolvido após negociação entre os dois países, que resultou na redução das tarifas para 19% e na reabertura de diálogos bilaterais. A experiência indica que a pressão econômica pode estar sendo usada como instrumento de negociação mais amplo, e que o caso brasileiro segue uma estratégia previamente testada.
Fator BRICS?
Para Velloni, da da Frente Corretora, o conteúdo da queixa dos EUA ainda é “vago” e levanta dúvidas sobre os reais fundamentos das acusações. Ele levanta a hipótese de que as críticas ao Pix podem estar relacionadas a preocupações maiores dos EUA com o avanço de iniciativas dos BRICS, como a possível criação de uma moeda colateral ao dólar. “Esse, no meu ponto de vista, é o maior temor hoje do governo americano”, avalia.
A investigação dos EUA também abrange políticas brasileiras de restrição à transferência de dados para o exterior, como exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). De acordo com o USTR, essas regras seriam excessivamente amplas e impediriam que empresas dos EUA operassem com normalidade, ao dificultar o uso de servidores localizados nos Estados Unidos e aumentar custos de conformidade regulatória.
Outro ponto de atrito são decisões judiciais brasileiras que, segundo o relatório, obrigaram redes sociais norte-americanas a retirar do ar milhares de publicações e suspender contas, inclusive de cidadãos dos EUA, sob ordens secretas e sem devido processo legal, medidas vistas como ameaças à liberdade de expressão e à segurança jurídica.
A audiência sobre o caso ocorrerá em 3 de setembro na Comissão de Comércio Internacional dos EUA. O governo americano também abriu prazo para que empresas e o público apresentem comentários até 18 de agosto.A depender do resultado, a investigação pode levar à adoção de tarifas, restrições comerciais ou outras sanções contra o Brasil. O representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, disse em comunicado que “as barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil merecem uma investigação aprofundada e, potencialmente, ações de resposta”.
Fonte: InfoMoney