Ainda há um longo caminho para a segurança jurídica em torno da responsabilização de grupos econômicos em matéria tributária
Com o advento da Lei Complementar 214/2025, houve clara expectativa por enterrar as controvérsias em torno da responsabilidade tributária de grupos econômicos.
O §3º do art. 24 da nova lei afastou a solidariedade fiscal pela simples existência de grupo econômico, exigindo, para fins de responsabilização, a prática de atos ilícitos descritos no inciso V do mesmo artigo, como abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
À primeira vista, a nova previsão da reforma tributária indica uma vitória, que foi celebrada pelos contribuintes como um acerto ao “não responsabilizar empresas do mesmo grupo econômico”, isso no que diz respeito ao IBS e CBS.
Mas será mesmo um remédio eficaz contra a solidariedade fiscal entre empresas do mesmo grupo?
Efeito placebo
O ponto é que essa “novidade” não é exatamente nova. O próprio artigo 50 do Código Civil já estabelecia tais critérios e orienta a jurisprudência em matéria tributária no que diz respeito ao reconhecimento de grupo econômico para fins de solidariedade fiscal (AgInt no AREsp 1035029/SP / REsp 859.616/RS / REsp 1775269/PR).
Ou seja, o art. 24 da LC 214/2025 não é disruptivo, mas reforça requisitos já consolidados, i.e, introduz uma previsão expressa daquilo que já se pode extrair do nosso ordenamento jurídico em torno do tema.
Enquanto isso, permanece no horizonte a figura do artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional, que estabelece a obrigação solidária entre as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.
Trata-se de termo subjetivo que até hoje não se tem um consenso tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Nesse contexto, o interesse em comum permanece sendo utilizado de forma arbitrária pelo fisco para se atribuir a responsabilidade de grupo econômico à margem dos requisitos do art. 50, do Código Civil, agora recepcionados pelo art. 24, da LC 214/2025.
Premissa reprovável, já que todo grupo econômico pressupõe comunhão de interesses, por outro lado, se a mera existência de grupo econômico não é suficiente para se atribuir responsabilidade tributária entre as empresas, não é qualquer interesse em comum que deve ensejar a solidariedade fiscal.
Sob essa perspectiva, é possível afirmar, com certo entusiasmo, que a nova previsão trazida pelo art. 24 da LC 214/2025, ao não recepcionar o interesse em comum como critério para se responsabilizar grupo econômico, nos brinda com duas interpretações: (i) ou torna a nova previsão incompatível com a situação do art. 124, I, do CTN, ou (ii) abre margem para afastar de plano a possibilidade de se adotar o interesse em comum como critério para se responsabilizar grupos econômicos.
Em outras palavras, ao menos com relação à grupos econômicos, o art. 124, inciso I, do CTN, não é suficiente para se atribuir solidariedade fiscal.
Importante acrescentar, que o art. 24 da LC 214/2025 não dissocia expressamente a hipótese de grupo econômico de fato, ou seja aquele que existe no plano dos fatos e não formalmente, o que sugere que o §3º e o inciso V deve se aplicar também nessa hipótese.
Nesse aspecto, é possível conceber a legitima ideia de que a reforma tributária esvazia a aplicação isolada do artigo 124 do CTN no caso de grupos econômicos, exigindo o preenchimento das situações previstas no inciso V, do art. 124 da LC 214/2025.
Apesar disso, a reforma tributária não encerra as controvérsias em tono da responsabilização de grupos econômicos, enquanto o fisco não distingue os grupos irregulares, de fato, familiares ou formais, mormente para efeitos da aplicação do art. 124, do CTN.
Quer dizer, não se pode afirmar que não haverá conflito entre o art. 24, da LC 214/2025 e a previsão do art. 124, I, do CTN – será uma convivência pacífica?
A solução pode estar na definição do Tema 1209/STJ, que trata da definição acerca da (in)compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da Execução Fiscal, disciplinado pela Lei 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório.
Nesse contexto, a relação dos fundamentos da responsabilidade tributária de grupos econômicos com o IDPJ é crucial, já que a jurisprudência deve caminhar no sentido de exigir o incidente como filtro procedimental para o redirecionamento de execuções fiscais em algumas hipóteses.
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Diante da previsão expressa do art. 24, da LC 214/2025, que reforça os requisitos do art. 50, do Código Civil em matéria tributária, é coerente que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica seja imprescindível para fins de responsabilização de grupos econômicos, já que demanda a comprovação de tais práticas ilícitas – de tal modo que o Tema 1209/STJ será oportuno para harmonizar o tema.
Com efeito, a dispensa do incidente, se aplicável, deve atingir somente às hipóteses de responsabilização automática, previstas em lei, como ocorre nas situações estabelecidas no art. 134 e 135, do CTN.
Diante disso, tudo indica que o art. 24, da LC 214/25 é um grande passo, mas ainda há um longo caminho para o campo da segurança jurídica em torno dos fatores da responsabilização de grupos econômicos em matéria tributária, sendo o Tema 1209/STJ um dos pontos chave para harmonização.
Fonte: JOTA