segunda-feira, outubro 20, 2025
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Reforma Administrativa: o ‘combo’ da destruição do Estado

Proposta enfraquece o serviço público, concentra poder na União e ameaça o pacto federativo de 1988

A proposta de reforma administrativa, apresentada ao Congresso Nacional, é vendida sob o pretexto de promover “eficiência” e “meritocracia”. Contudo, uma análise mais aprofundada revela tratar-se de um verdadeiro “combo da destruição do Estado”, que fragiliza os pilares do serviço público, infantiliza a administração e corrói o já combalido pacto federativo, negando os princípios do federalismo de cooperação idealizados na Constituição de 1988.

Esse pacote, estruturado como um “combo” de lanchonete, é composto por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), um Projeto de Lei Complementar e um Projeto de Lei Ordinária. Sua primeira e grave falha está na tentativa de constitucionalizar minúcias de gestão e normas de recursos humanos do Estado. Questões dessa natureza deveriam ser tratadas em leis ordinárias ou, até mesmo, em normas infralegais, como resoluções e decretos. Ao elevá-las ao patamar constitucional, a proposta engessa a administração pública de um país continental, de realidades tão distintas como as do Brasil, tratando-o como uma empresa centralizada e ignorando suas complexidades.

Entre as medidas propostas, destacam-se a exigência de um mínimo de 20 níveis por carreira, independentemente da natureza das funções desempenhadas; a fixação de um salário inicial limitado a 50% do final; a criação de uma tabela remuneratória única por ente federativo; a imposição de avaliação periódica vinculada a progressões e bônus por resultado; a padronização da metodologia de cálculo da despesa de pessoal; e a vedação de fundos para custeio de pessoal.

Essa homogeneização forçada, que desconsidera a diversidade funcional e as disparidades regionais do serviço público, criará uma rigidez constitucional que, em vez de gerar eficiência, engessa a gestão e provocará judicialização em massa de rotinas administrativas. O ganho de eficiência será ínfimo, enquanto o custo dos litígios será exorbitante. Na prática, tais medidas politizam a gestão de pessoas, aumentam a volatilidade das políticas públicas e desestimulam a atração e a retenção de quadros qualificados, especialmente em áreas técnicas e finalísticas, essenciais para o funcionamento do Estado.

Adicionalmente, a reforma revela uma visão paternalista e desrespeitosa em relação às gestões estaduais e municipais. Ao impor parâmetros nacionais detalhados para carreiras, remuneração e mensuração de gastos, a proposta infantiliza os gestores locais, tratando-os como incapazes. Essa uniformização ignora a autonomia organizacional e orçamentária de Estados e Municípios, transferindo para o crivo da União a regulamentação de realidades desiguais. Tal movimento é diametralmente oposto à lógica do federalismo cooperativo de 1988, transformando o Brasil em um Estado ainda mais unitário e centralizador.

De forma ainda mais preocupante, a reforma administrativa mira na destruição da Advocacia Pública. Ao classificar os honorários de sucumbência como receitas públicas próprias do ente federativo, com destinação “prioritária” ao custeio da representação e possível uso para remuneração variável de agentes, sempre conforme lei do Executivo, a proposta descaracteriza o papel fundamental dos advogados públicos.

Na prática, essa mudança subordina o principal indicador de qualidade e dedicação dos procuradores — o êxito de seu trabalho, isto é, vencer a pretensão da parte contrária — à conveniência orçamentária do governo de turno. Abre-se, assim, um perigoso precedente para contingenciamentos e pressões políticas, colocando em risco a independência técnica da Advocacia Pública, princípio fundamental previsto no artigo 132 da Constituição Federal.

O serviço público é a própria razão de ser do Estado, cuja finalidade precípua é servir aos cidadãos por meio da efetivação de políticas públicas. Essa reforma, ao fragilizar e precarizar esse motor essencial, desestimula a adesão de pessoas qualificadas, infantiliza os gestores e lança uma imensa pá de cal sobre o nosso combalido pacto federativo.

É imperativo que essa ameaça ao país não prospere, garantindo a defesa de um Estado forte, autônomo e capaz de cumprir sua missão constitucional de servir à sociedade. Enfraquecer o serviço público é fragilizar a presença do Estado onde ele é mais necessário: nas escolas, nos hospitais, na segurança e na promoção da justiça social.

Fonte: JOTAlogo-jota

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